Problemas na aplicação da fórmula

Observemos de novo a solução da cúbica incompleta x3 = ax + b:

x =  +

Num primeiro olhar, nada aí parece levar a incongruências ou à necessidade de novos números. Entretanto, o matemático italiano Rafael Bombelli, ao tentar resolver a equação x3 = 15x + 4, para a qual ele já conhecia a solução (que é x = 4), chegou ao seguinte resultado:

x =  +

Você pode obter facilmente a resposta acima, substituindo na fórmula os coeficientes da equação: a=15 e b=4.

Mas Bombelli ficou diante de um grande problema: por um lado, a equação tinha solução conhecida a priori, e, por outro, mediante a aplicação de uma fórmula matemática cuja demonstração era absolutamente impecável, chegava-se a um resultado absurdo, visto que não se conheciam raízes quadradas de números negativos!

Você pode perguntar:

por quê esse problema não surgiu antes, ao aplicar a fórmula de Bhaskara (da quadrática), visto que ali também pode ocorrer a extração de raízes quadradas de números negativos?

O próprio Cardano já havia se defrontado com dificuldades sobre isso. Certa vez, pediram-lhe que encontrasse dois números cuja soma fosse igual a 10, e cujo produto fosse igual a 40. Chamando os tais números de x e y, Cardano chegou facilmente à equação x2 – 10x + 40 = 0, mas ao aplicar a fórmula de Bhaskara obteve os resultados:

x1 =   e   x 2 =

Cardano, entretanto, descartou essas soluções, chamando-as de “sofísticas”, e dizendo que o resultado era “tão sutil quanto inútil”. Ou seja, simplesmente ele declarou que tal problema não tinha solução.

Mas agora era diferente; a equação cúbica x3 = 15x + 4 tinha solução conhecida (que é x = 4), e contudo a aplicação da fórmula resolutiva mostra um resultado chocante:

x =  +

A questão agora é que já não se podia mais negar a necessidade de existência de novos números. Vejamos um trecho de Boyer, muito esclarecedor (página 210):

“Se um algebrista desejasse negar a existência de números irracionais ou negativos, dizia simplesmente, como os gregos antigos, que as equações x2 = 2 e x + 2 = 0 não são resolúveis. Semelhantemente, os algebristas tinham podido evitar os imaginários, simplesmente dizendo que uma equação como x2 + 1 = 0 não é resolúvel. Não havia necessidade de considerar raízes quadradas de números negativos.”

“Porém, com a solução da equação cúbica, a situação mudou radicalmente. Sempre que as três raízes de uma equação cúbica são reais e diferentes de zero, a fórmula de Cardano-Tartaglia leva invevitavelmente a raízes quadradas de números negativos. Sabia-se que o alvo era um número real, mas ele não podia ser atingido sem que se compreendesse alguma coisa sobre os números imaginários. Era agora necessário levar em conta os imaginários, mesmo que se concordasse em só aceitar raízes reais.”

Vamos repetir a última parte desse parágrafo:

“Era agora necessário levar em conta os imaginários, mesmo que se concordasse em só aceitar raízes reais.”

E foi o que fez Bombelli. Para contornar a dificuldade, Bombelli teve o que ele chamou de “idéia louca”. Ele recorreu a um engenhoso artifício, imaginando que as raízes cúbicas que figuravam na solução obtida pudessem ser representadas por expressões do tipo: (2 + m. ) e (2 – m. ), pois, desse modo, ao somar-se as “quantidades”, cancelar-se-ia o indigesto termo , obtendo-se então a solução desejada, ou seja, x=4.

Ou seja, Bombelli supôs válidas as igualdades:

 = 2 + m                e                 = 2 - m

Como a solução dada pela fórmula era

x =  +

então, ao substituírem-se as raízes cúbicas por seus supostos valores (2 + m ) e (2 - m ), cancela-se o termo “imaginário”  m  , obtendo-se então x=4, que era a solução conhecida a priori .

Bem, o que se segue agora é um algebrismo fantástico, onde ele eleva ao cubo os dois membros de cada igualdade, a fim de obter o valor de m. Eu disse fantástico , porque opera com “quantidades” inexistentes sujeitando-as às regras operatórias habituais dos números comuns.

Ou seja,

( )3 = (2 + m )3

e

( )3 = (2 - m )3

Notem que Bombelli não fazia a menor idéia do que era , nem o que era . Mas ele assumiu como verdadeiro que:  =  = 11. .

Observem que passo ousado: ele aplica a um domínio desconhecido a mesma regra que vale para o campo dos números reais (a raiz quadrada de um produto de números positivos é igual ao produto das raízes quadradas).

Assim, o problema da extração de raízes quadradas de números negativos basicamente se resume a saber, afinal, o que significa .

A seguir, Bombelli pega cada uma dessas igualdades e eleva ao cubo cada um dos seus membros, operando funcionalmente como se as quantidades imaginárias representadas por  se comportassem de acordo com as mesmas regras válidas para os números reais!

Ele considerou, por exemplo, que  (que ele nem sabia o que era) elevado ao quadrado deveria resultar -1, e, mediante manipulações algébricas relativamente simples, chegou à igualdade:

(8 - 6*m2) + (12*m - m3) *  = 2 + 11 *

Notem que ele "agrupou" os termos livres (de ) e os termos que continham esse símbolo, para em seguida poder identificar essas partes, obtendo:

8 - 6*m2 = 2

e

12*m - m3  = 11

Ele viu imediatamente que m=1  verifica tais igualdades. Portanto, 2 +  é solução de ).
Da mesma forma, 2-
é solução de .

Basta elevar essas “soluções” ao cubo para checar. Assim, a solução dada pela fórmula se traduz em:

x = (2 + ) + (2 - )

Ou seja, x=4, como se sabia de antemão.

Na sequência, veremos que a idéia de Bombelli, embora engenhosa, é inteiramente inútil na aplicação da fórmula resolutiva quando não se conhece nenhuma solução da equação.

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