U. G. Krishnamurti
fonte: http://www.well.com/user/jct/
tradução: J.C.Cavalcanti
Parte II (final)

A mente é um mito 
Inquietantes conversações com o homem chamado U.G.
Editado by Terry Newland - DINESH PUBLICATIONS

Ver parte I

 

Pelos seus 20 anos, o sexo começou a ser um problema para U.G. Embora intermitentemente prometendo privar-se de sexo e casamento em consideração a uma vida de celibato religioso, ele pensava eventualmente que sexo era um impulso natural, que não era sábio suprimí-lo, e que, de qualquer modo, a sociedade tinha providenciado instituições legítimas para preencher esse anseio.

Ele escolheu como sua noiva uma das três belas jovens de origem Brâmane que sua avó havia selecionado para ele, como possíveis companheiras adequadas. Mais tarde ele foi levado a dizer, "Eu acordei na manhã seguinte ao meu casamento e soube sem dúvida que havia cometido o maior erro de minha vida".

Ele permaneceu casado por dezessete anos, cuidando de quatro filhos. Desde o começo ele quis separar-se, mas os filhos foram chegando e o casamento continuou. Seu filho mais velho, Vasant, teve poliomielite, e U.G. decidiu mudar-se com a família para os Estados Unidos, a fim de que o jovem pudesse receber o melhor tratamento. Nesse processo ele gastou praticamente toda a fortuna que ele recebera de seu avô. Ele tinha esperança de sua esposa pudesse obter educação apropriada para encontrar um emprego, ficando numa posição independente, de maneira que ele pudesse ir embora sozinho. Realmente ele conseguiu isto, achando-lhe um emprego com a World Book Encyclopedia.

Por essa época toda sua fortuna tinha ido embora, e ele estava farto de ser um orador público (primeiro como representante da Sociedade Teosófica e depois como orador independente), seu casamento tinha terminado, e ele estava perdendo o interesse na batalha para ser alguém neste mundo.

Pelo início de seus quarenta anos ele estava quebrado, sozinho e esquecido por seus antigos amigos e associados. Então ele começou a peregrinar, primeiro em Nova York, depois em Londres, onde ficou reduzido a passar seus dias na Biblioteca Pública de Londres, para escapar dos rigores do inverno, dando aulas de culinária indiana por algum dinheiro.

Sua peregrinação prosseguiu em Paris.  Desse período U.G. disse mais tarde, "Eu era como uma folha soprada pelos ventos inconstantes, sem passado nem futuro, nem família ou carreira, nem qualquer tipo de preenchimento espiritual. Lentamente, perdia a condição de fazer qualquer coisa. Eu não estava rejeitando ou renunciando ao mundo; ele flutuava adiante de mim e eu era não era capaz de segurá-lo, estava privado de qualquer força de vontade".

Quebrado e sozinho, ele foi até Gênova onde ele tinha deixado alguns francos em uma velha conta, suficiente apenas para mantê-lo por uns poucos dias. Então essa pequena quantia acabou, ele ficou em dívida com o aluguel, e ficou sem ter onde ir.

Decidiu então ir ao Consulado Indiano em Gênova, e pedir para ser repatriado para a India.
"Eu não tinha dinheiro, amigos, e nenhuma vontade restara. Achei que ao menos da índia eles não poderiam me expulsar. Afinal, apesar de tudo eu era um cidadão; talvez eu pudesse apenas sentar debaixo de uma árvore banyan em algum lugar e alguém me alimentasse".

Assim, com quarenta e cinco anos, completamente falido aos olhos do mundo, sem um penny e sozinho, ele caminhou até o Consulado e pediu para ser repatriado para a índia. Ele tinha pouca chance. Mas isso foi um ponto de mutação em sua vida.

Ele foi ao Consulado Oficial da índia e começou a contar sua triste história ao Cônsul. Quanto mais ele falava, mais fascinado ficava o Cônsul. Logo o escritório inteiro ficou em completo silêncio ouvindo sua extraordinária narrativa. A secretária e tradutora do Consulado, Valentine de Kerven, estava ouvindo atentamente.  No início de seus sessenta anos, ela tinha muita experiência do mundo, e encheu-se de piedade pelo estranho e carismático homem à sua frente. Ninguém no escritório sabia o que fazer com ele.

Valentine, que conhecia a adversidade por si mesma, simpatizou com aquele homem errante e destituído, e logo ofereceu-lhe um lar na Europa. Ela tinha uma pequena herança e pensão que seria suficiente para ambos. U.G. , relutante em voltar para índia e ter que encarar sua família, amigos e suas pobres perspectivas, aceitou, cheio de gratidão, o oferecimento.

Os próximos quatro anos (1963-67) foram dias pacíficos para ambos. Ela deixou seu emprego no consulado e viveu calmamente com U.G., passando temporadas na Itália, no sul da França, Paris e Suiça. Mais tarde começaram a passar os invernos no sul da índia, onde as coisas eram relativamente baratas, e o tempo mais saudável.

Durante esses anos, U.G, como ele declarou mais tarde, não fez nada. " Eu dormia, lia o Time Magazine, e fazia caminhadas com Valentine ou sozinho. Isso era tudo". Ele estava numa espécie de período de incubação. Sua procura estava próxima do fim. Ele nunca mencionou a Valentine os poderes ocultos, experiências espirituais e fundamentos religiosos que haviam constituído grande parte de sua vida. Eles viveram simples e quietamente como donos de casa  viajantes (as private migrating householders).

Eles foram passar os meses de verão no sótão de um antigo chalé de 400 anos de idade, na chamosa vila suiça de Saanen. Por alguma razão J. Krishnamurti decidiu dar uma série de palestras em uma enorme tenda levantada nas vizinhanças da mesma pequena cidade. Buscadores religiosos, yogis, filósofos e intelectuais do ocidente e do oriente começaram a aparecer na pequena vila para presenciar suas palestras,  para dar e receber aulas de yoga, e trocar idéias sobre assuntos espirituais e filosóficos.

U.G. e Valentine mantiveram uma respeitável distância, não desejando participar da crescente cena que se assemelhava mais e mais a um circo. Nesse ambiente U.G. aproximou-se de seus quarenta e nove anos. Kowmara Nadi, uma famosa e respeitada astróloga de Madras, havia há muito tempo atrás predito que U.G.  haveria de passar por uma profunda transformação em seu quadragésimo-nono aniversário. Aproximando-se esse dia, incontáveis coisas estranhas começaram a ocorrer com U.G. Algo radical e completamente inesperado estava para acontecer-lhe.

A partir dessa idade, U.G. começou a ter dores de cabeça recorrentes e dolorosas, e, não sabendo o que fazer, começou a tomar enormes quantidades de café e aspirina para enfrentar as terríveis dores. Por essa época ele começou também a parecer mais jovem, ao invés de mais velho. Naquela época, com quarenta e nove anos, ele parecia um homem de setenta ou oitenta anos. Após essa idade, ele começou a envelhecer normalmente, embora ele ainda aparente ser muito mais jovem do que seus atuais sessenta e sete anos (este prefácio foi escrito aproximadamente em 1985)

Entre essas dores de cabeça ele passaria por experiências extraordinárias onde, como ele mais tarde descreveu, "Eu sentia como se minha cabeça estivesse faltando". Surgindo simultaneamente com esses estranhos fenômenos, vieram os assim chamados poderes ocultos, aos quais U.G. se referia com poderes e instintos naturais do homem. Uma pessoa totalmente desconhecida podia andar pela sala e U.G. podia ver seu passado inteiro, como se estivesse lendo uma biografia. Ele podia dar uma olhada na palma da mão de um estranho e instantaneamente saber seu futuro.

Todos os poderes ocultos começaram a se manifestar nele gradualmente após a idade de trinta e cinco anos. "Eu nunca usei esses poderes para nada; eles simplesmente estavam lá. Eu sabia que eles não tinham grande importância e simplesmente deixei-os ali."

Coisas continuaram a acontecer dentro dele, e U.G., preocupado que Valentine pudesse concluir que ele estava louco, nada mencionou a ela ou a qualquer outro sobre esses assuntos. Pouco antes de completar quarenta e nove anos, ele começou a ter o que mais tarde chamou de "visão panorâmica", um jeito de ver em que o campo de visão aparecia em volta dos olhos abertos em quase 360 graus de largura, enquando o observador desaparecia inteiramente e os objetos se moviam passando direto através de sua cabeça e corpo (while the viewer or observer disappeared entirely and objects moved right through the head and body).

O organismo inteiro, desconhecido a U.G. nessa época, estava evidentemente preparando-se para alguma calamidade ou transformação de enormes proporções. U.G. não disse nada. Na manhã de 9 de julho de 1967, data de seu aniversário de quarenta e nove anos, U.G. foi com um amigo para ouvir J. Krishnamurti em uma palestra pública numa grande tenda nos arredores de Saanen, a aldeia onde ele e Valentine tinham morado por algum tempo.

U.G. contratou com um editor para escrever sua autobiografia. Enquanto trabalhava no livro, U.G. chegou à parte que descrevia sua associação com J. Krishnamurti. Ele não se lembrava muito do que sentira perante o reverenciado "Instrutor do Mundo" da Sociedade Teosófica. Ele havia perdido completamente o contato com J. Krishnamurti por muito tempo e não tinha opinião definida sobre ele. Então ele decidiu ir, naquela dia, assistir a palestra  matutina de J. Krishnamurti para "refrescar a memória", como ele disse mais tarde. 

No meio da palestra. U.G. ouviu a descrição que J. Krishnamurti fazia de um homem livre, e de repente percebeu que era ele mesmo que estava sendo descrito. " Que diabo estou fazendo ouvindo alguém descrever como estou funcionando?" Liberdade na consciência tornou-se naquele momento não mais algo "lá fora", mas simplesmente o jeito que ele estava funcionando psicologicamente naquele exato momento. Isso o chocou tanto que ele deixou a tenda completamente atordoado e caminhou sozinho em direção ao chalé, do outro lado do vale. Aproximando-se do chalé, ele parou para descansar num banco, de onde se avistavam os belos rios e as montanhas do Vale de Saanen.

Sentado sozinho no banco, olhando o vale verde e os picos escarpados de Oberland, ocorreu-lhe:

"Eu tenho procurado por toda parte para descobrir uma resposta para minha pergunta, 'existe iluminação?',
mas nunca questionei a busca propriamente dita.

Porque implicitamente eu assumi que esse objetivo, iluminação, existe, eu tive que procurar,
e é a própria busca que estava me sufocando e me afastando de meu estado natural.

Não há tal coisa como iluminação espiritual ou psicológica porque não existem essas coisas, espírito ou psique, absolutamente.
Fui um maldito idiota (damn fool) toda a minha vida, procurando por aquilo que não existe. Minha busca terminou."

 

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