U. G. Krishnamurti
fonte: http://www.well.com/user/jct/
tradução: J.C.Cavalcanti
Obs. Os textos em vermelho itálico, entre parênteses, são observações minhas.

Esperança é para amanhã, não para hoje

Pergunta: Eu gostaria de poder meditar e ter uma paz real em minha mente.

U.G.:
Você já questionou esse seu objetivo? Por quê tomar como certo que existe uma tal coisa como "paz da mente"? Talvez isso seja uma coisa falsa. Estou fazendo essa pergunta para entender que objetivo em particular você tem. Posso fazer essa pergunta?

Pergunta: Como eu disse, eu gostaria de ter paz em minha mente.

U.G.:
Quando você espera obter isso? É sempre para amanhã, para o próximo ano. Por quê? Por quê a quietude da mente, ou tranquilidade, ou como é que você queira chamá-la, só aconteceria amanhã? por quê não agora? Talvez essa perturbação - a ausência de tranquilidade - seja causada pela própria sadhana (prática espiritual).

Pergunta: Ela DEVE ser possível...

U.G.:
Mas por quê você coloca isso sempre no amanhã? Você tem que encarar a situação AGORA. Afinal de contas, o que você quer?

Pergunta: O que quer que eu faça parece sem significado. Não há nenhum senso de satisfação. Eu sinto que deve haver algo superior a tudo isso.

U.G.:  
Suponha que eu diga que essa falta de sentido é tudo o que existe para você, tudo o que você pode obter. O que você faria? O objetivo falso e absurdo que você se propôs (a prática espiritual com vistas a encontrar a paz da mente no futuro) é responsável pela falta de satisfação e significado em você. Você acha que a vida não tem significado? Claro que não. Disseram-lhe que há um significado, que deve haver um significado para a vida. 

Sua noção de "significado" impede-o de encarar esse ponto, e o faz sentir que a vida não tem significado. Se a idéia de "significado" é descartada, então você verá significado em tudo o que estiver fazendo em sua vida cotidiana.

Pergunta: Mas todos nós temos a idéia de uma vida melhor e mais espiritual.

U.G.:  
O que você deseja, mesmo os assim chamados objetivos espirituais, são materialistas em essência. O que, se posso perguntar, é tão espiritual nisso?  Se você quer atingir um objetivo espiritual, o instrumento que você usa é o mesmo que utiliza para adquirir coisas materiais, ou seja, o pensamento. Você não sabe nada sobre seu objetivo; você apenas sabe pensar.

Assim, você apenas está pensando que deve haver algum propósito para a vida. E, sendo o pensamento matéria, seu objeto - a vida espiritual ou  significativa - é também matéria. Assim, espiritualidade é materialismo. Você não está agindo, está apenas pensando, o que representa na verdade um adiamento.

Não há, simplesmente, outra coisa que o pensamento possa fazer. Esse instrumento chamado pensamento, que você emprega para adquirir seus assim chamados objetivos espirituais, é o resultado do passado. O pensamento nasce do tempo, funciona no tempo, e todo resultado que ele procura está ainda na fronteira do tempo.

E tempo é adiamento, é o amanhã. Pegue, por exemplo, o fato do self (ego, eu, senso de individualidade própria). Ele é condenado, enquanto seu oposto (a ausência do ego), uma pura criação da mente, deve ser atingido depois. A realização disso, contudo, sempre está adiante, no futuro.

Você será sem ego amanhã ou no dia seguinte, se houver um, ou na próxima vida. Por quê não é possível para você ficar totalmente livre do self, hoje? E você quer realmente ficar livre disso? Você não quer! eis porque você inventou o não-ego a ser atingido depois, e no intervalo você permanece egoísta.

Assim, você não quer abandonar o ego absolutamente, porque o instrumento que você utiliza para chegar a esse estado destituído de ego, ou paz da mente, é em essência materialista.

Tudo o que você fizer para se livrar do ego apenas o fortificará e tornará mais potente. Não estou dizendo que você então deveria continuar egoísta, apenas que é inútil pensar sobre seu oposto, a ausência de ego, ou paz da mente.

Disseram-lhe também que por meio da meditação o ego chega ao fim. Verdadeiramente você não está meditando em absoluto, apenas pensando sobre o não-ego, e nada fazendo para ser assim agora.

Eu lhe dei um exemplo, mas todos os outros exemplos são variações da mesma coisa. Toda atividade nessa direção são exatamente a mesma coisa. Você deve aceitar o simples fato de que você não quer ficar livre da noção de ser um eu.

Pergunta: Estou fazendo um esforço para compreender...

U.G.:
Você está usando esforço para atingir um estado sem esforço! Como isso é possível? Você pensa que pode viver uma vida sem esforço (psicológico) através da vontade, luta e esforço! Desafortunadamente, isso é tudo o que você pode fazer, pois esforço é tudo o que você conhece.

O "você" e tudo o que ele adquiriu tem sido resultado do esforço. Um estado de repouso psicológico (ausência de esforço) através do esforço é o mesmo que querer atingir a paz por meio da guerra. Como você pode atingir a paz por meio da guerra?

A "paz da mente" que você quer é uma extensão dessa guerra feita de esforço e luta. Assim é a meditação em conflito. Você se senta para meditar enquanto há uma intensa batalha dentro de você. O resultado é violento, com maus pensamentos minando dentro de você.

Em seguida, você tenta controlar ou dirigir esses pensamentos brutais, fazendo mais esforço e violência sobre você mesmo nesse processo.Pergunta: Mas parece que algo como paz da mente acontece quando se terminam as preces ou meditações. Como você explica isso?

U.G.:
É o resultado da completa exaustão, somente isso. Suas tentativas de controlar ou suprimir seus pensamentos apenas o exaure, fazendo de você uma espécie de batalhador depauperado (esgotado, fatigado). Esse é o estado sem esforço, e paz da mente que você está experienciando. Mas isso não é paz. Se você quer técnicas para controle do pensamento, veio ao homem errado.

That is the effortlessness and peace of mind you are experiencing. It is not peace. If you want techniques for thought control, you have come to the wrong man.

Pergunta: Não, eu me sinto bem conversando com você. Você está dizendo que nenhum compromisso, caminho ou prática espiritual é necessária?

U.G.:
Eu digo que não. Outros dirão sim. Onde você fica? Compreender seu objetivo é o principal. Atingir essa meta implica luta, esforço, desejo. E não há garantia de que você alcançará seu objetivo. Você assume que ele está lá; você o inventou para dar esperança a si mesmo, mas esperança significa amanhã. Esperança é necessário para amanhã, não para hoje.

Você quer mais conhecimento para desenvolver melhores técnicas para alcançar seu objetivo, pois sabe que não há garantia de que mais experiência, conhecimento, sistemas e métodos o ajudarão a chegar lá. Ainda assim você persiste, pois isso é tudo o que você sabe fazer.

Ver hoje demanda ação; ver amanhã envolve apenas esperança.

Pergunta: O que é que estamos tentando ver com a ajuda de métodos?

U.G.:
Você quer descobrir algum significado em sua vida. Mas tanto quanto você persista em procurar um propósito para a vida, tudo o que você fizer, seja o que for, parecerá sem propósito e sem significado. A esperança de encontrar significado é que está causando o presente estado de ausência de propósito, de sentido. Não há outro significado além deste.

Pergunta: Mas é compreensível que as pessoas devem procurar por significado em suas vidas, não é?

U.G.:
A energia que você devota a essa busca, técnicas e sadhanas está roubando a energia que você precisa para viver. Você está obcecado em encontrar propósito para sua vida, e isso está consumindo sua energia. Se essa energia for liberada, ela poderá ser usada para ver a futilidade de toda busca. Então sua vida se torna significativa e aquela energia pode ser usada para algum propósito útil.

A vida, a assim chamada vida material, tem um significado em si mesma. Mas lhe disseram que ela é desprovida de sentido e lhe impuseram uma fictícia camada de significado "espiritual" sobre ela. Porque deveria a vida ter algum significado? Porque deveria haver algum propósito em viver? Viver é tudo o que há; sua procura por um significado espiritual criou um problema extra para o viver.

Você engoliu todo esse lixo sobre o ideal, a perfeição, a paz, sobre uma vida cheia de significado, e agora devota sua energia em pensar sobre isso, ao invés de viver plenamente. De qualquer modo você esta vivendo, não importa sobre o que está pensando. A vida tem que ir em frente.Pergunta: Mas não é um objetivo da cultura e da educação ensinar-nos como viver?

U.G.: 
Você está vivendo. Assim que você se coloca a questão "como viver?", você faz da vida um problema. O "como" torna a vida sem sentido. Quando você indaga "como", você se volta a alguém para obter respostas, tornando-se dependente. 

Pergunta: Você está dizendo que toda busca está condenada, porque não há nada a adquirir ou compreender.

U.G.: 
Não há nada a adquirir, nada para realizar. Por ter criado um objetivo - digamos, o não-eu - você permanece atolado no egoísmo. Se não houvesse o objetivo, você seria egóico? Você inventou o oposto como objeto a ser possuido, e enquanto isso você continua a ser egoísta.

Como você poderia  deixar de ser egocentrado enquanto você persegue o oposto disso? Uma certa quantidade de egoísmo prático é necessário para a sobrevivência, decerto, mas com você isso se tornou um tremendo e insolúvel problema.Aqui não há necessidade de sentar em posturas especiais nem de controlar sua respiração. Mesmo enquanto meus olhos estão abertos, não importando o que estou fazendo, eu estou em estado de samadhi. O conhecimento que você tem sobre samadhi é que está mantendo-o longe disso.

Samadhi vem após o término de tudo que você aprendeu. O corpo tem que ficar como um cadáver antes que cesse o conhecimento que está preso em cada célula.

(Samadhi comes after the ending of all you have ever known, at death. The body has to become like a corpse before that knowledge, which is locked into every cell in the body, ceases.)

Pergunta: Você infere que é preciso uma ruptura radical com o passado, para viver uma vida criativa. Mas tem havido muitos homens inteligentes e inventivos que não se submeteram a nenhum processo de morte um "calamidade psicológica", como você o denomina.

U.G.:
Sua inventividade tão elogiada resulta de seu pensamento, que é essencialmente um mecanismo de proteção. A mente inventou e a dinamite para proteger o que ela considera como seus melhores interesses.

Nâo há bom ou mau nesse sentido. Não vê? Todos essas pessoas más, brutais e terríveis, que deveriam ser eliminadas (de sua mente) há muito tempo, são prósperas e bem sucedidas. Não pense que você pode saltar desse carrossel, ou que, por pretender uma espiritualidade superior, você está evitando qualquer cumplicidade. Você o mundo; você é isso. Isso é tudo que estou salientando.

Pergunta: Você também não faz caso da preocupação sobre o que pode acontecer a alguém em uma vida futura? Se, numa vida posterior, eu  deverei colher o que plantei, não deveria eu estar preocupado com uma vida de moralidade?

U.G.:
Vidas passadas, vidas futuras, karma - essas coisas são enfatizadas neste assim chamado país "espiritual". É uma falência total! Eles dizem que terão que sofrer por suas más ações no futuro, amanhã. Mas que tal considerar o agora? Porque eles fogem do agora? Porque eles são tão bem sucedidos agora?

Pergunta:  A despeito do óbvio caos e brutalidade no mundo, a marioria de nós acha que a esperança é eterna e que o amor deve, afinal de contas, ser a regra do mundo...

U.G.:
Não há amor no mundo. Todo mundo quer a mesma coisa. (...) Conseguir o que você quer neste mundo é relativamente fácil, se você é cruel o bastante para isso. Eu tive tudo o que um homem pode querer, todo tipo de experiência agradável, e tudo isso falhou comigo. Assim, nunca posso recomendar meu "caminho" a ninguém, tendo eventualmente encarado a falsidade desse caminho e o rejeitado. Eu não poderia nem mesmo insinuar que houve qualquer validade naquelas experiências e práticas.

Pergunta:  Contrariamente ao que você tem dito, os grandes salvadores e líderes da humanidade concordam que...

U.G.:  No que me diz respeito, os santos, salvadores, padres, gurus, videntes, profetas e filósofos estavam todos errados. Enquanto você abrigar alguma certeza ou fé nessas autoridades, vivas ou mortas, certamente essa certeza não poderá ser transmitida a você.

Essa certeza de algum modo alvorece em sua mente quando você vê por si mesmo que todos eles estão errados. Quando você vê tudo isso por você mesmo pela primeira vez, você explode. Essa explosão toca a vida em um ponto que jamais havia sido tocado antes. É absolutamente único. Assim, qualquer coisa que eu possa estar lhe dizendo não pode ser verdadeira para você.

No momento que você vê por si mesmo, você torna obsoleto e falso tudo o que estou dizendo. Tudo o que veio antes é negado nesse fogo. Você não pode chegar à sua própria singularidade a menos que jogue fora de seu sistema o todo da experiência humana.

(continua)

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