Não saber
é seu estado natural
Pergunta: De nossas conversas
anteriores com você fica evidente que o homem tem uma relação errada com o
conhecimento de si mesmo e do mundo. O que exatamente você entende por
conhecimento?
U.G.:
Conhecimento não é algo misterioso ou abstrato. Eu olho esta mesa e me
pergunto: "O que é isto?". O mesmo faz você. Conhecimento é apenas nomear as
coisas. Isso lhe diz que isso é uma "mesa", que eu "estou feliz" ou
"miserável", que "você é um iluminado e eu não sou".
Há outra coisa para o pensamento além
disso? O conhecimento que você tem do mundo cria os objetos da sua experiência.
A existência ou não-existência real de alguma coisa "lá fora" não é algo que
você pode determinar ou experimentar por si mesmo, a não ser através do auxílio
de seu conhecimento. E esse conhecimento não é seu; é algo que você e seus
ancestrais acumularam ao longo do tempo.
O que você chama "ato de conhecer" não é outra coisa senão essa memória
acumulada. Você lhe acrescentou ou modificou algo, mas essencialmente ele não
lhe pertence, absolutamente. Não há nada dentro de você a não ser a totalidade
do conhecimento que você acumulou; isto é o que você é.
Você não pode mesmo experimentar
diretamente a realidade do mundo em que você está funcionando, muito menos do
"outro" mundo. Não há nenhum "outro mundo" além do espaço e tempo; isso é
invenção sua, baseado em vagas promessas dos homens sagrados. Nosso senso de
valor resulta do mundo que nos foi imposto; e nós temos que aceitar esse
mundo.
Pergunta: Então nosso sistema de
crenças também é baseado nessa memória... ?
U.G.:
Crença também não é uma abstração; é uma extensão do mecanismo de sobrevivência
que age há milhões de anos. Crença é como qualquer outro hábito: quanto mais
você tenta controlar e suprimir, mas forte ele fica. Sua pergunta implica que
você quer ficar livre de algo; neste caso é a crença.
Primeiro: por que você quer se livrar
dela? Tudo o que você fizer sobre isso apenas lhe dará energia. Tudo o que você
fizer é inútil. Por que isso se tornou um problema para você? Você não está em
posição para aceitar ou negar o que eu estou dizendo. Provavelmente você tentou
algum tipo de sistema para controlar seus pensamentos e crenças, e isso tudo
falhou. Repetindo mantras, fazendo yoga, ou rezando, nada disso ajudou. Por
alguma razão, você não é capaz de controlar seus pensamentos. Isso é tudo.
Pergunta: Mas a repetição de mantras e
outras técnicas sagradas parecem aquietar a mente...
U.G.:
Você não pode nem observar seus pensamentos, muito menos controlá-los. Como
poderia você observar seus pensamentos? Você fala como se houvesse uma entidade
em você separada deles. Isso é uma ilusão! Seus pensamentos não são separados
de você; não há um pensador separado.
O pensamento não pode prejucar você: é
essa sua estrutura separativa, que tenta controlar, dominar, censurar e usar o
pensamento, que é o problema. O pensamento por si mesmo não pode fazer nenhum
mal. É apenas quando você quer fazer algo com ele que você cria problemas para
si mesmo.
Pergunta: Ouvir você também parece
criar problemas para mim.
U.G.:
Você diz que está escutando, mas você não está escutando nada, a não ser seus
próprios pensamentos. Não tenho ilusão sobre isso. Você não pode escutar a mim
nem a ninguém; é inútil tentar persuadir-me que você está realmente atento,
ligado, escutando. Eu não sou bobo.
Pergunta:
Não é tão óbvio para mim que eu não o esteja escutando. Parece que
simultaneamente eu o ouço e também estou pensando. Isso é possível?
U.G.:
Isso é impossível. Há apenas uma ação possível para você: pensar. O nascimento
do próprio pensamento é ação. O pensador que diz que está observando o
processo de causa-efeito é ele próprio o pensamento.
O pensamento cria um espaço entre o
pensador e seus pensamentos, e então diz a si mesmo: "Eu estou observando meus
pensamentos." Isso é possível? Esquecendo o que aconteceu no passado, tente
observar seus pensamentos neste momento. Veja, estou pedindo para você fazer
algo bastante simples. Você me dirá como observar o pensamento, eu serei seu
discípulo; eu lhe ficarei muito agradecido. Ao invés de observar seu
pensamento, observe a mim.
Se você repetir um mantra, isso é
pensamento. A repetição do mantra é outro pensamento. A idéia de que esses
pensamentos repetitivos não foram bem sucedidos para gerar o estado que
você queria é outro pensamento, assim como a idéia de que você precisa mudar de
mandra ou praticar outra técnica que funcione melhor. O que é o pensamento além
disso? Eu quero saber.
Pergunta: Mas todas as religiões
encareceram a importância de suprimir e controlar pensamentos indesejáveis. Do
contrário estaremos descendo ao nível dos animais.
U.G.:
Temos sofrido lavagem cerebral por séculos por homens sagrados que
afirmaram que precisamos controlar nossos pensamentos. Sem pensar você seria
semelhante a um cadáver. Sem pensar os homens sagrados não teriam como nos
dizer para controlar nossos pensamentos. Eles quebrariam; pois tornaram-se
ricos dizendo a outros para controlar seus pensamentos.
Pergunta: Mas certamente há diferenças
qualitativas no modo como os pensamentos são controlados.
U.G.:
Essas distinções são arbitrárias. Pensar é parte da vida, e vida é
energia. Tomar uma cerveja ou fumar um cigarro é exatamente o mesmo
que repetir preces, palavras sagradas, e escrituras. Ir a um bar ou ao templo é
exatamente o mesmo; é um tipo de droga. Você confere significado especial
a preces e templos, mas isso é apenas um preconceito seu, que o faz
sentir-se superior aos que frequentam bares e bordéis.
Pergunta: Então tudo isso é uma
tentativa de modificar de algum modo meu condicionamento...
U.G.:
Condicionamento é tradição. A palavra em sânscrito é samskara. Tradição é o que
você é - aquilo que você chama de "eu". Não importa quanto você tente
modificá-lo, ele continua. Na vida tudo é impermanente, e a tentativa de dar
continuidade ao condicionamento - e isso é baseado no pensamento - é uma coisa
patológica. Você trata o psicológico e o patológico como se fossem coisas
diferente; mas na verdade tudo isso é patológico. Seu samskara, o
condicionamento que faz você se sentir separado do mundo, é patológico.
Onde estão os condicionamentos de que
você fala? onde estão situados os pensamentos? Eles não estão no cérebro. Os
pensamentos não são produzidos pelo cérebro. Ao contrário, o cérebro é
como uma antena, captando pensamentos de um certo comprimento de onda, de uma
esfera comum de pensamento. Suas ações, seja pensando em Deus ou batendo
numa criança, resultam da mesma fonte - pensar. Os pensamentos em si não fazem
nenhum mal. Somente quando você tenta usar, censurar e controlar esses
pensamentos para realizar algo é que seus problemas começam.
Você não tem outro recurso a não ser
pensar para obter o que você quer neste mundo. Mas quando você procura para
obter o que não existe - Deus, amor, bênção, etc. - pelo pensamento, você
consegue apenas por um pensamento contra outro e criar miséria
para você e o mundo. Quando a estrutura do pensamento, a serviço do
medo e da esperança, não encontra o que procura, ou fica em dúvida, ele
introduz o que você chama "fé".
Onde está a necessidade de crença, ou
sua outra face fé? Quando suas crenças falham, dizem-lhe para cultivar a
fé. Em outras palavras, você precisa ter esperança. Quer você esteja buscando
Deus, uma bênção, paz da mente, ou coisas mais tangíveis, felicidade,
você termina confiando na esperança, crença e fé. Essas dependências são os
sinais de sua falha em obter os resultados que você deseja.
Pergunta: Qual é a relação entre
pensamento condicionado e desejo?
U.G.:
Seu desejo, assim como seus pensamentos em geral, devem ser suprimidos e
controlados a qualquer custo - essa abordagem apenas enriquece os homens
sagrados. Por que diabo você quer chegar a esse estado que você denomina "sem
desejos"? Para quê? Posso assegurar-lhe que quando você não tem desejo você
será carregado como um cadáver para a sepultura. Os homens sagrados nos
disseram que ter desejos é errado; eles precisam ser suprimidos ou convertidos
em um tipo mais alto de desejo.
Isso é bobagem (It is hogwash). Ou você
os realiza seus desejos, ou você não consegue realizá-los. Esse o
problema. Em qualquer caso o desejo surgirá. Tentar não fazer nada também é
inútil, pois isso (isto é, não fazer nada) é parte de sua estratégia geral para
conseguir algo.
Ele tem que se queimar. O samskara, ou
condicionamento, embora capaz de ser queimado, não pode ser visto. Você não
pode ver um desejo. Ver um desejo irá cegá-lo. Sua cultura, sua
filosofia, sua sociedade o condicionou, e agora você pensa que pode mudar ou,
de algum modo, modificar esse condicionamento. Mas isso é impossível, pois você
é a sociedade.
Pergunta: Nós não queremos ficar livres
do condicionamento; isso é assustador de se imaginar, e nós ficamos muito
inseguros.
U.G.:
Todo pensamento que nasce tem que morrer. Isso é o que eles chamam a morte do
desejo. Se um pensamento não morre, ele não pode renascer. Ele tem que
morrer, e com ele você também morre (a falsa noção de um eu
separado do pensamento cessa).
Mas, acontece que você não morre
com cada pensamento, cada respiração. Você engancha cada pensamento no próximo,
criando uma falsa continuidade; essa continuidade é que é o problema. Sua
insegurança resulta de sua recusa em encarar a natureza temporária do
pensamento. É um pouco mais fácil falar àqueles que tentaram fazer o controle
do pensamento, através de práticas religiosas (sadhanas), porque eles
verificaram a futilidade disso tudo e podem ver onde eles estão pendurados
(where they are "hung up").
Pergunta:
Suponho, então que é a tradição e o condicionamento que criaram o dilema moral
para nós... ?
U.G.:
Apenas o homem que é capaz da imoralidade pode falar de moralidade. Não
existe essa coisa para mim - imoralidade. Assim, eu não posso sentar e pregar
moralidade. Isso é tudo. Eu não tomo posições morais absolutamente. Aquele que
fala de moral, amor e compaixão é um impostor.
Veja, sua moralidade ou ausência dela
não tem importância comparado com o fato de que você está morto. Você está
sempre operando dentro de através de sua memória morta. Memória não é mais que
os mesmas velhas coisas sem sentido repetindo-se continuamente. Tudo o
que você sabe, ou pode saber, é memória, e memória é pensamento. Seu pensamento
incessante é dado apenas por essa continuidade.
Por quê você
tem que fazer isso todo o tempo? Isso não vale a pena; você está se
desgastando. Quando houver necessidade, pode-se compreender: por que você tem
que se separar você mesmo de suas ações (e pensamentos)? É por isso que
você fica dizendo todo o tempo: "Agora estou feliz", "Agora estou
solitário". Por quê? Você está constantemente monitorando e censurando suas
ações e sentimentos: "Agora eu sinto isso, agora eu sinto aquilo"; "Eu quero
ser isso; eu não devia ter feito aquilo". Você está flutuando pelo
passado e pelo futuro todo o tempo, desatento ao presente.
(continua)
|