desenredo, subst.
masculino -
ação ou efeito de
desenredar (-se);
      * * * * * * DESENREDO * * * * * *      
Site idealizado por José Carlos Corrêa Cavalcanti (2005)
desenredamento;
desprender-se da rede;
separar-se do que
está enredado.

CONHECIMENTO REAL DA FINITUDE
José Carlos Corrêa Cavalcanti      (13/dez/24)

Como seria viver na dimensão da finitude, como se as coisas fossem acabar, terminar, morrer?
Como se pessoas, animais, móveis, carros, objetos quaisquer fossem impermanentes, deterioráveis, finitos e com data de validade ignorada?

Essa pergunta é um pouco estranha, porque REALMENTE nós vivemos na dimensão da finitude e as coisas vão realmente acabar, morrer, findar. Mas o fato é que não damos por isso; não me consta que, ao separar-se das pessoas ao final de uma reunião, de um encontro ou em uma despedida qualquer, alguém tenha em mente que pode ser a última vez — e se comporte como tal.

Isto mostra como a noção de eternidade está impregnada em nós. Vivemos como se não fôssemos morrer, nós e as demais pessoas. Ou seja, imaginamos que temos tempo, o que pode ser um lamentável engano. E, nesse tempo IMAGINADO, vamos dando continuidade à nossa psique cheia de conflitos e temores, guardando no coração e na mente nossas opiniões e julgamentos, incômodas emoções e sentimentos de raiva, revolta, culpa ou mágoa e até mesmo nossa indiferença perante o sofrimento alheio.

Que faríamos se soubéssemos com certeza, durante algum encontro de amigos, de trabalho ou uma visita familiar, que pelo menos uma pessoa daquele grupo iria morrer dentro de um ou dois dias? Não mudaria completamente nossa atitude? Não traria mais profundidade à nossa maneira de ver a nós mesmos e as demais pessoas?

A primeira coisa que me ocorre é que os sentimentos ruins desapareceriam; como eu poderia ter raiva de alguém que pode morrer a qualquer momento, ou guardar mágoas ou restrições sobre pessoas que podem desaparecer amanhã ou depois, sendo que eu mesmo estou entre elas? Como eu poderia culpar alguém por ser como é? Como eu poderia culpar uma pessoa por ela não querer mudar?

Aquilo que poderia mudá-la certamente é doloroso, como, por exemplo, ter a certeza da morte iminente de algumas pessoas do grupo. Isso é um impacto aos nossos planos e expectativas, nossos queridos castelos de areia onde imaginamos encontrar felicidade. É bem possível que a REAL percepção da transitoriedade trouxesse em nós uma grande compaixão pela condição humana; talvez abrisse uma janela de interesses outros que não somente o ganha-pão e as distrações.

Talvez pensássemos:
"O tempo é aliado de nossas ilusões de continuidade... recheado com nossos planos, desejos e esperanças, ele esconde completamente a realidade do findar inevitável de todas as coisas. Cada qual faz o que pode para sentir-se feliz na existência porque não sabe o que eu sei: ela pode acabar em poucas horas, e isso vai acontecer para alguns de nós."

E não poderíamos comunicar a ninguém nossa o conhecimento, nossa certeza, pois eles não acreditariam e ainda achariam uma brincadeira de mau gosto de nossa parte. Ou seja, eles não sabem e não querem saber, e provavelmente dessa mesma maneira eu me comportaria, se não soubesse.

Ignorar a morte é talvez a maior causa de nosso comportamento tão superficial, tão banal, baseado em piadas, verbalizações de episódios curiosos, projetos para o futuro, críticas ao governo ou a quem quer que seja, tudo com o único objetivo de garantir um nível confortável de satisfação, ainda que rasa.

Entramos e saímos na maioria dos nossos encontros e conversas com essa mesma superficialidade — mas também com o mesmo baú secreto de dores, julgamentos, condenações, medos e culpas que carregamos a vida inteira, escondendo-o muitas vezes até de nós mesmos.

Mas, se soubéssemos que alguns de nós, após um encontro, não vão sobreviver mais do que um ou dois dias, como tudo mudaria... amadureceríamos bastante. Bem menos risadas, bem mais reflexões. Porém, é bem possível que veríamos como nossos semelhantes são agarrados aos prazeres e ao desejo de evitar qualquer perturbação, principalmente que atinja seus planos para o amanhã. Mas será que conseguiríamos levar a conversa para níveis mais profundos?

Duvido. A menos que também tivessem o conhecimento que tínhamos, é bem provável, que a maioria preferisse continuar na santa ignorância da finitude, para poder tentar viver feliz na superficialidade, no passado, recordando as coisas engraçadas e as experiências agradáveis, para continuar dando risadas e manter a continuidade do trivial, da zona de conforto da mente que não quer ser perturbada pela vida nem pela morte.

Mas claro, o problema surge quando somos colhidos repentinamente por eventos fatais envolvendo pessoas queridas, ou até mesmo tendo que encarar nosso próprio final. Pois a verdade é que cada hora que passa nos aproxima, e a toda a humanidade, do inexorável final. Não seria agora a hora de começar a desenvolver uma profundidade maior para nosso espírito?

Pois, como diz um antiquíssimo provérbio romano,

"As horas ferem, e a última mata".


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