Cantinho Cultural

O INCRÍVEL CASO DE BERNADOTTE 

por Luiz Roque professor, poeta e escritor - 09/Fevereiro/2010 

Jean Baptiste Bernadotte nasceu em 1763 e cedo escolheu a carreira militar. Na juventude, fortemente influenciado pelo pensamento dos iluministas, tornou-se revolucionário. Acrescentou o nome de Jules ao seu, entusiasmado com a história de Júlio César, em Roma, chefe da facção popular e que, com os títulos de ditador perpétuo e Augusto (divino), já era, praticamente, imperador,mas recusou o título.

Bernadotte ainda mandou fazer uma tatuagem no peito, que jamais mostrou a quem quer que fosse e que o acompanhou por toda a vida.

Fez rápida carreira militar e, aos 31 anos, já era general. Serviu a França da Convenção, a França do Diretório e a França de Napoleão. Todavia, entre os dois existia uma situação, no mínimo, embaraçosa. Bernadotte acabou se casando com Désiré, que tinha sido a primeira namorada de Bonaparte e cuja mão pedira ao pai. Este, entretanto, recusara a proposta, alegando que a irmã mais velha de Désiré já era casada com José Bonaparte (que, um dia, Napoleão nomearia rei da Espanha).

Apesar dessas questões familiares, Bernadotte lutou junto a Napoleão e teve grande destaque na campanha da Itália. Mas não apoiou o golpe do 18 Brumário(1799), em que Napoleão se fez nomear 1º Cônsul, como também o de 1802, no qual o inteligente corso se fez Cônsul Perpétuo.

Sabemos, ainda, que, em 1804, Bonaparte se decide pelo império e o papa Pio VII vem de Roma a Paris, para coroá-lo. Mas o mundo assistiria a uma ousadia inédita, que estava bem na tradição da Revolução Francesa : Quando o papa ergue a coroa, Bonaparte, agora Napoléon I, toma-a de suas mãos e se autocoroa, para, em seguida, coroar a cabeça de Joséphine.

Diga-se de passagem, que, em 1808, como este papa se recusou a respeitar o Bloqueio Continental contra a Inglaterra, Napoleão ocuparia os Estados Pontifícios, seria excomungado por Pio VII e o prenderia em Savona, onde o papa ficaria até 1814.

Em 1798, Bernadotte ainda mantinha seu ardor revolucionário : Embaixador em Viena, hasteia a bandeira tricolor da Revolução no topo do prédio da embaixada e perde o cargo. De volta à França, é Ministro da Guerra, sendo, depois, destacado para a Vendée(Vandéia), reduto de monarquistas. No mesmo ano de 1804, Napoleão promove Bernadotte a Marechal.

Aqui, abriremos um Parêntesis, para escrever um pouco sobre a História da França , nesse período.

A 1ª e a 2ª coalizões contra a França tinham sido propostas pela Inglaterra e foram inúteis. Na 3ª coalizão, além da indefectível Inglaterra, uniam-se austríacos(eternos sacos de pancadas) e os russos de Alexandre I. Napoleão sabia que uma parte importante do exército austríaco se achava em Ulm, na Alemanha atual, sob o comando do general Mack. Resolveu atacar´antes que os russos chegassem. No seu tradicional estilo de marcha forçada, atravessou o Reno e envolveu os austríacos, num sítio de ferro.

Não havia o que fazer : Mack e seus 22000 soldados se entregaram, sem dar um tiro, a 20 / 10 / 1805.

Em outra frente, Davout (ou Davoust, como se encontra no Arco do Triunfo, em Paris) invadiu Viena e ocupou-a. Mas, no dia seguinte, Napoleão ficava sabendo que fracassara a única tentativa que fez de ocupar a Inglaterra, com as armadas franco-espanholas conjugadas. Nelson venceu-as em Trafalgar, em 21 / 10 / 1805. Morreram o próprio Nelson e o almirante espanhol Gravina.

Bem, o grosso do exército austríaco se achava fora da Áustria ocupada e tinha no comando o seu imperador Francisco I, que era, também, o imperador Francisco II, do Sacro-Império Romano-Germânico, o qual vinha desde Carlos Magno(ano 800). As tropas se uniriam aos russos em Austerlitz, na atual República Cheka.

Napoleão concebeu uma tática, que se revelou magistral. Ele enfraqueceria deliberadamente o flanco direito. Russos e austríacos iriam atacá-lo, enfraquecendo o seu centro. Então, Soult e Saint- Lazare atacariam o centro. Legrand e Davout, que viria de Viena, defenderiam o flanco direito. Davout e seus soldados, em marcha forçada, cobriram 110 Km em 48 horas.
A batalha foi a mais grandiosa das 60 batalhas de Napoleão e é comparada à vitória de Aníbal sobre os romanos em Canas, em 216 a.C. Foi chamada Batalha dos Três Imperadores(França, Áustria e Rússia presentes).

Durante essa batalha, saiu um sol esplendoroso, que seria lembrado pelo imperador aos seus soldados, antes da vitória, em Moscou, em 1812. As baixas austríacas e, principalmente, russas , em Austerlitz, foram imensas. Terminava a 3ª coalizão.

Bernadotte lutou bem, no centro das escaramuças, e Napoleão lhe deu o título de Príncipe de Pontecorvo, (devido à sua campanha na Itália). A Áustria pagou uma indenização de 50 milhões de francos. Com uma penada, Napoleão extinguiu o anacronismo do Sacro-Império e colocou Francisco I no seu lugar: apenas imperador da Áustria (com o Congresso de Viena, o Sacro-Império voltaria, mas desmoralizado).

A 4a coalizão, patrocinada pela Prússia, contava, outra vez, com a Rússia. Tão logo Napoleão soube da Declaração de Guerra, invadiu a Prússia em marcha forçada, enquanto mandava avisar Davout e Bernadotte que o seguissem imediatamente como reforços. O heróico Davout se pôs em marcha com apenas 27 000 homens, enquanto Bernadotte, sem que se saiba por que, não se moveu.

Em Jena, na Turingia, Napoleão encontrou o exército prussiano, que foi vencido sem dificuldades, a 14 / 10/ 1806. Só então, Bonaparte percebeu que o grosso do exército inimigo estava em Auerstedt, com 55000 soldados, comandados pelo imperador Francisco Guilherme III. Napoleão aguardou a vitória conjunta de Davout e Bernadotte, mas a verdade é que Davout sozinho teria de vencer um exército que lhe era mais que o dobro. E ele o fez, tendo, ainda, matado um velho inimigo da França, o Duque de Brunsvick, no mesmo dia 14 / 10 /1806. As forças francesas entraram em Berlim, enquanto o Imperador Francisco Guilherme III se refugiava, permanecendo aliado dos russos. Terminava assim, a 4ª coalizão.

Na volta a Paris, Davout comunicou que, face à traição de Bernadotte, bater-se-ia em duelo com ele. O imperador o impediu, mas advertiu com extrema seriedade o Marechal cunhado de seu irmão.

Contudo, apesar desse grave desentendimento, Bernadotte ainda lutou pela França, destacando-se como o melhor comandante do imperador na batalha de Eylau (Prússia) contra os russos, a qual deixou nada menos que 40 000 mortos sobre o terreno, na 5ª coalizão. Praticamente aqui, terminamos o nosso Parêntesis, sobre a situação na França Napoleônica, embora ela ainda venha a ser citada várias vezes. Vejamos o que se passava, nessa época, na Suécia.

Em 1809, o rei sueco Gustavo Adolfo IV, sob pressão, cede aos russos mais da metade do seu território, que era a Finlândia. O rei queria evitar uma guerra. Aliás, desde que o último rei guerreiro da Suécia, Carlos XII, foi derrotado por Pedro o Grande na batalha de Poltava, em 1709, Bi os suecos, sempre que podem, envolvem-se o mínimo possível nos conflitos do saco de gatos, que é a Europa.

Mas desta vez, o povo considerou uma concessão abjeta e revoltou-se. As forças armadas destituíram Gustavo Adolfo IV e a Dieta (Parlamento) colocou no lugar dele o seu tio, Carlos XIII, que, entretanto, não tinha descendentes. Ora, a população desejava um sucessor e, numa época de tantas guerras e ameaças, que tivesse um certo traquejo de comando.

Foi então que um determinado nobre sueco resolveu agir por sua própria conta e risco. Foi a Paris e convidou Bernadotte a ser o herdeiro da coroa sueca. Napoleão o considerou psicopata, inclusive porque a Suécia nunca revelara simpatia pela França, nas guerras. Também na Suécia, a surpresa foi tal que, ao regressar, a Dieta mandou prender o referido nobre.

Entretanto, a sua idéia recebeu grande simpatia da população. Apesar de alterar a sequência dinástica, era uma pessoa assim que estavam querendo. E o rei também se convenceu. Em 1810, Bernadotte foi eleito Príncipe da Coroa Sueca e abandonou o catolicismo, tornando-se luterano. Carlos XIII adotou-o, então, como seu sucessor, com o nome de Carlos João. Bernadotte passou a comandar o exército sueco.

Em 1813, invadiu a Holanda e, depois, a França, sua pátria, vencendo, sucessivamente, dois Marechais que eram seus amigos, Oudinot e Ney(o bravo dos bravos).

Em 1814, conseguiu, em negociações, que a Dinamarca cedesse a Noruega à Suécia, como compensação pela perda da Finlândia. Ainda neste ano, seus exércitos acompanham as tropas aliadas que entram em Paris e forçam Napoleão a abdicar em Fontainebleau.

Em 1815, o Parlamento norueguês rechaça a união com a Suécia e Bernadotte faz o único que sabe fazer: invade o país com o exército sueco e impõe a anexação. Nesse mesmo ano, o exército de Napoleão, em Waterloo(18 de junho), depois de ter já vencido os prussianos de Blucher e esperar os reforços que viriam com Grouchy, para consolidar a vitória, é traído por este e derrotado por Wellington. O enorme temporal desse dia anunciou o fim do “Petit Caporal”.

A cessão da Finlândia pela Suécia à Rússia e da Noruega à Suécia pela Dinamarca, para se evitarem guerras, mostram que, já nessa época, os países escandinavos vinham na trajetória que os tornaria, no século XX, nas mais civilizadas nações do planeta. Dos 5 acima citados, à exceção da Rússia, 4 são escandinavos ou nórdicos.

Em 1818, morre Carlos XIII e Bernadotte assume o trono da Suécia, com o nome de Carlos XIV João e o trono da Noruega, como Carlos III (a Noruega viria a separar-se da Suécia, pacificamente, em 1905). Iniciava-se uma nova dinastia. De Bernadotte e do seu filho Oscar I descendem todos os reis da Suécia até hoje. Nas armas reais desse país, existe, no centro, em ponto pequeno, a bandeira tricolor da Revolução Francesa.

Bernadotte morreu em 1844 e, então, se conheceu a TATUAGEM que fizera no peito, quando jovem :

MORT AUX ROIS (MORTE AOS REIS )

O REI E A RAINHA ATUAIS
O rei atual da Suécia é Carlos Gustavo XVI ou, no sistema sueco, Carlos XVI Gustavo e pertence, evidentemente, à Dinastia Bernadotte. O rei conheceu, nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, a jovem Sílvia Renate de Toledo Sommerlath, nascida em Heidelberg,em 1943, filha de um industrial alemão e de uma brasileira.

Sílvia viveu em São Paulo dos 4 aos 13 anos de idade. Em 1973, Carlos Gustavo se tornou rei e em 1976, ele e Sílvia se casaram. É um fato curioso, portanto, que a rainha da Suécia tenha cidadania brasileira e fale o Português de São Paulo, como qualquer um de nós.

Mas Sílvia fala fluentemente seis idiomas(o que é próprio da nobreza), tendo se especializado em Espanhol. Ela é, também, especialista em sinais auditivos. Em 1999, a rainha fundou a World Childhood Foundation, em defesa das crianças do mundo. Devido a essa fundação, tem vindo várias vezes ao Brasil e dado palestras. O casal real tem três filhos: Victoria(a herdeira do trono), Carlos Filipe e Madalena. Os três estudaram, até o secundário, em escolas públicas! Isto é um país escandinavo.

Luiz Roque
Bibliografia: Dicionário Prático Ilustrado, Grande Enciclopédia Larousse Cultural, Internet


 

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