Nossos pensamentos se sucedem quase ininterruptamente, ecoando lembranças, reconhecendo percepções
sensoriais, descrevendo e avaliando as sensações do corpo e as inquietações da alma.
Como resultado dessa atividade surge o desejo (de algo que traga prazer ou bem-estar) ou a recusa
(de toda dor física ou emocional) — e tudo isso gera novas avaliações, novos caminhos para o prazer
e novas estratégias para evitar a dor.
O mecanismo do cérebro, então, é um moto perpétuo, pois é posto em funcionamento por si mesmo.
Ou seja, sua atividade de avaliar os pares de opostos de natureza física, emocional e mental,
e procurar reter somente o agradável, descartando o que incomoda, traz frustrações e dores que exigem
a repetição do processo.
Perambulando pelo passado e pelo futuro, nossos pensamentos estão sempre julgando as coisas, lugares, situações e pessoas. Assim fazendo, geram no corpo sensações de agrado ou desagrado, de simpatia ou antipatia, de prazer e dor. E, ao mesmo tempo em que montam os cenários que representam as coisas desejadas ou temidas, transformam-se em decisões e ordens.
Mas como pode uma sopa química produzida pelo cérebro se transformar em nossa lei e autoridade suprema, a ponto de nos fazer rir, chorar, matar ou morrer?
Acontece que essa sopa química é a parte física e observável do processo da consciência,
pelo qual SABEMOS o que está se passando.
Em outras palavras, nossa consciência se manifesta de forma dual: em um lado subjetivo, que é o significado pessoal,
(memória e sensações) e um lado objetivo, que são as reações químico-elétricas,
visíveis e mensuráveis, que ocorrem no cérebro.
Olhando o lado subjetivo, que toca diretamente nossa percepção, podemos ver que o pensamento
desperta sensações, e estas também têm o poder de ativar pensamentos.
São dois lados da mesma moeda. Quando a sensação
é de pequena intensidade, o pensamento é descartado; quando é forte, reforça o pensamento e
tende a direcioná-lo. Nesse momento surge a intenção, destinada a aplacar a sensação,
quando dolorosa, ou reforçá-la, quando prazerosa.
Todas as falas, tons de voz e gestos são comandadas pela intenção — revestida pelo pensamento.
Tudo isso faz da consciência um palco onde os pensamentos, ou mais precisamente, as palavras proferidas,
despertam sensações e emoções,
que por sua vez influenciam, NO EXATO INSTANTE EM QUE OCORREM, as intenções que se escondem por detrás de nossas falas.
É por isso que uma conversa amena pode se transformar de repente num pesado desentendimento.
A intenções iniciais vão sofrendo os impactos das emoções despertadas pelas palavras usadas
de parte a parte.
A grande pergunta é: QUEM É O ATOR?
Certamente, não é o pensamento (que fornece o roteiro, o script da representação)
nem a sensação, nem tampouco as emoções
(que são os combustíveis da representação).
O Ator é a substância da representação.
Ele atua em oculto e está escondido atrás da intenção.
É ele que atua em todos os dramas, sem ser jamais reconhecido, pois damos mais importância
às palavras ditas e às emoções expressas.
Estas, porém, não são a substância.
Na ausência de um papel a representar, o Ator não desaparece, embora permaneça desconhecido.
A falta temporária das falas e scripts não faz falta nenhuma.
Mas o Ator, esse é vital. Ele é a substância desconhecida, usada desatentamente em todas as nossas
interações no mundo, como se não tivesse maior importância.
Ele é a Presença consciente que percebe o mundo e não pode, absolutamente, faltar em nenhum instante.
Ele é o Espírito.
O poder do pensamento deve-se a ele estar sempre associado à substância, ao Espírito, como se fosse sua voz. Quando tomamos uma decisão qualquer, primeiro ela aparece com um pensamento: eu quero, eu não quero, eu vou, eu não vou, etc. E o objetivo da decisão, invariavelmente, é chegar a uma situação de paz interior, entendida como satisfação de desejos (ainda que temporária) ou livrar-se de alguma dor física ou inquietação psicológica (embora se renovem posteriormente).
A questão da mais elevada importância neste contexto é a seguinte:
DE ONDE PROCEDEM, OU SEJA, QUAL É A ORIGEM DE NOSSAS DECISÕES?
A resposta fácil e rápida é: do cérebro.
Mas, em nosso íntimo, NÃO SENTIMOS, EM ABSOLUTO, que nossa identidade se reduza a um tecido onde ocorrem incríveis
fenômenos químicos e elétricos.
Quando um artista, músico, escritor ou filósofo tem inspiração de uma nova obra, ou quando
o cientista descobre algo fundamental da natureza, eles NÃO SE AJOELHAM CULTUANDO O CÉREBRO, embora este possua
importância capital ao espelhar, no lado material, nossas percepções e sensações.
Realizando a contraparte material de nossa consciência, ele representa, por meio de complexos fenômenos físicos,
hormônios e substâncias cada percepção, cada compreensão que temos ou emoção
que sentimos. Mas não é a fonte da criatividade.
Acontece que nosso Espírito não tem forma.
É VAZIO de qualquer aspecto de materialidade.
NÃO PERTENCE AO MUNDO.
E, mesmo assim, em todas as formas vivas, é a Presença Consciente que percebe o mundo!
E SUA MISSÃO TERRENA, MANIFESTO EM FORMA HUMANA,
É DESCOBRIR A SI MESMO PARA ALÉM DAS COISAS MANIFESTAS.
Mas voltemos à pergunta anterior: quem é esse que toma as nossas decisões?
Quando um ator interpreta um personagem colérico, talvez este realize atos violentos e cometa grandes injustiças.
Mas o ator SABE que o personagem não é real, e os atos cometidos também não são reais.
Algo semelhante ocorre em nossa existência cotidiana.
A DIFERENÇA FUNDAMENTAL é que acreditamos ser o personagem, seus motivos, opiniões e emoções.
Em consequência, cometemos toda sorte de ações egocentradas, prejudicando outras pessoas.
Portanto, nossas decisões e atos provêm de nosso próprio Espírito que, desconhecendo a si mesmo,
julga ser os personagens de suas narrativas. E segue, ao longo de toda a existência, expressando-se num rodízio de personagens
comandados pelas reações de nosso cérebro em busca de sobrevivência e prazer.
O EU espiritual, que não pertence ao mundo, transforma-se num súdito do mecanismo material.
Mas o ego, em cuja base está a Consciência Filha, jamais experimentará a felicidade
genuína na experiência terrena.
Lembra-se?
"MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO".
Sempre faltará alguma coisa, e essa alguma coisa é descobrir sua natureza verdadeira, pois...
para entrar na Mansão Celeste, o Filho Pródigo tem que que comungar com o Pai,
retomando sua identidade cósmica, irredutível, derradeira e espiritual
como Presença Consciente silenciosa e não verbal.
Do contrário, penará no reino deste mundo procurando em vão
a genuína felicidade por meio de aquisições, riquezas, força, segurança e prazeres.
E, assim fazendo, mais uma existência será desperdiçada e o Espírito, com a morte do corpo físico, estará sobrecarregado pela dor da separação do Absoluto e ansiará por nova oportunidade de retornar à manifestação em uma nova forma física — correndo mais uma vez, porém, o risco de voltar abrigar em si e se identificar com a concepção de uma identidade pessoal.
Voltar
|