desenredo, subst.
masculino -
ação ou efeito de
desenredar (-se);
      * * * * * * DESENREDO * * * * * *      
Site idealizado por José Carlos Corrêa Cavalcanti (2005)
desenredamento;
desprender-se da rede;
separar-se do que
está enredado.

A SAGA DE 30 ANOS DE BUSCA ESPIRITUAL - parte 6
José Carlos Corrêa Cavalcanti
08/04/2023

REATIVIDADE
Na tradição judaica, Satan é um anjo destinado a testar/tentar o ser humano, para que este, conhecendo a si mesmo, possa livrar-se do ilusório e ter a experiência real do Espírito imergindo nEle, sendo Ele, e assim possa saber o que é o livre-arbítrio — coisa que ele não conhece. Mas as provas são duríssimas; o risco de naufragar é grande. Aqueles que sentem o chamado para ir em busca desse conhecimento poderão ser confrontados com situações e pessoas que vão despertar o que há de pior e mais oculto em sua natureza emocional, forçando as emoções reprimidas a mostrarem sua face como dragões ameaçadores no caminho.

Mas as aparências enganam: o problema real não é a pessoa ou situação — está em nossas reações a elas. Essa é uma GRANDE LIÇÃO: vemos o mundo como nós somos; os atributos, qualidades (e defeitos) que nele vemos são de nossa lavra, ele reflete nossas dependências, emoções, apegos e aversões. Por exemplo, um chocolate ou uma sobremesa deliciosa são uma tentação? Não, a tentação não está nas coisas do mundo, e sim em nossas reações a elas. Elas são apenas o gatilho, a causa imediata que nos mostra nossos próprios condicionamentos, nossa programação interior.

Embora projetemos nas coisas todo o poder de causar o mal, esse mal encontra-se em nós mesmos.
Durante confrontos interpessoais, as provocações que possamos sofrer na forma de palavras agressivas em tom pesado e eivadas de mentiras ou meias verdades, injustiças, etc., são o estímulo que manifesta esse mal, mas não o cria: são apenas o gatilho que ocasiona o doloroso contato de nossa consciência com nossas emoções mais recônditas, de imenso potencial destrutivo, as quais querem emergir e se expressar.

Assim, se uma pessoa me insulta, calunia, acusa injustamente e sem provas, etc., eu posso ficar assustado, irritado e tentado a reagir no mesmo tom, o que pode ocasionar uma "bola de neve" de agressividade mútua. Toda vez que eu me lembrar dessa pessoa me lembrarei de suas supostas mentiras, maldades e manipulações, e tornarei a ficar irritado e poderei criar cenas mentais de desagravo onde a punirei de alguma forma. Logo, essa pessoa é a grande culpada, a responsável por esse tormento, certo? Não. É certo que as palavras dela atiçaram o ninho de minhas emoções mais ocultas e me provocaram um tumulto interior, mas já elas estavam lá — talvez inativas, mas não mortas, e contendo potencialmente toda a reatividade capaz de se manifestar com violência.

À procura de um culpado
Fica fácil para mim acusar tal pessoa de ser a fonte do mal, pois assim encontrarei um culpado e não terei que me olhar em profundidade. Mas a verdade é esse potencial destrutivo que há em mim resistiu a todas as minhas tentativas racionais de controle, repressão ou sublimação — e tomar contato com ele me causa uma repulsa profunda, uma rejeição automática ao ver emergirem esses conteúdos ancestrais. E quem é os rejeita é o meu "eu", que já experimentou situações onde ficou à mercê de sua força irracional — e teme sua repetição. Esse tipo de medo não impede que a imaginação projete cenários de possíveis desdobramentos dos conflitos — causando de imediato efeitos devastadores, sem ao menos necessitar que tais eventos venham realmente a ocorrer.


O campo das emoções desprezadas
Não é exato dizer que o "eu" rejeita o aspecto danoso do mundo emocional; na verdade é o contrário: a recusa, rejeição ou não aceitação é que PRODUZ o "eu". E essa NÃO ACEITAÇÃO potencializa enormemente a força dessas emoções, na razão direta da intensidade dessa própria recusa.

A alma humana, em seu aspecto de repositório dos resíduos emocionais da experiência de milênios, contém todas as sementes de todas as emoções já experimentadas pela espécie; cada qual de nós, porém, é mais sensível a algumas emoções do que outras, embora tendo possibilidade de vivenciar todas elas. E nosso ego desejaria selecionar as "melhores" e erradicar as "piores". Estas últimas, porém, extraem sua vitalidade de duas maneiras — e uma é exatamente essa rejeição. A outra é quando são alimentadas, exercitadas e praticadas.

Ficamos, aparentemente, num beco sem saída, pois se a rejeição aumenta a força das reações emocionais, aceitá-las (no sentido de incorporá-las) conduz a resultados desastrosos e imprevisíveis.

Mas podemos aprender muito com a flor de Lótus, que emerge de águas sujas, turvas, malcheirosas e estagnadas. Sua raiz está na lama, o caule na água e a flor, gloriosa, recebe os raios solares na superfície. Ela tem um metabolismo que transforma milagrosamente o meio barrento em que se encontra, com restos de outras plantas que morreram, e emerge com uma beleza e pureza incríveis, sem se sujar nas águas que a envolvem.

Ai dela se tivesse um aparato psicofísico capaz de discriminar o ambiente e manifestar volição: com certeza se revoltaria pelas condições que lhe foram reservadas na existência! Talvez ela pensasse: "Dizem-me para aceitar esse ambiente e realizar meu potencial sem me revoltar. Mas isso é insuportável, eu merecia um destino melhor do que esse, cercada de impurezas!".
Certamente, isso afetaria severamente seu desenvolvimento.

O "METABOLISMO ESPIRITUAL"
Nossa experiência terrena também se dá sob todo tipo de condições adversas — e nossa reação primeira, de recusar essas condições internas e externas, cria uma deformação interior que distorce nosso florescer. Há ALGO em nós cuja pureza somente se manifesta diante da aceitação profunda dessas condições — mas não no sentido de se submeter às inclinações de raiva, inveja, violência, etc., e sim fazer do sofrimento silencioso causado por essa aceitação, fruto da maturidade, o nutriente que propulsionará a transformação.

Quando alguém me ofende, calunia ou acusa injustamente sem provas nem direito a defesa, o meu grau de perturbação interna está ligado a minha identidade, isto é o que eu julgo que sou, as autoimagens (qualidades, defeitos) que tenho de mim mesmo, o que fiz ou deixei de fazer, etc. Raríssimos são aqueles que entendem que a consciência que neles atua não é propriedade particular, e sim emana da Consciência Universal, que se manifesta individualmente em cada forma viva. A esses, tais ofensas não atingirão pessoalmente, porque já não possuem o sentido de ser uma pessoa psicológica (identificada com os pensamentos, sensações e percepções).

O lugar comum é eu me considerar uma consciência pertencente ao corpo, sempre à procura de alegria e prazer, o que faz desenvolver-se em mim uma grande reatividade a condições adversas. Claro que existe uma imensa distância entre as duas percepções de nós mesmos. Mesmo assim, sem ter aquela elevação espiritual, mas sinceramente empenhados em plantar a semente da paz em nós mesmos (e no mundo), é possível permanecermos calmos diante de conflitos, acusações injustas, etc. Não estou falando de omissão: certamente faremos todo o possível para resolver tais situações da maneira mais adequada, mas sem perder o prumo.

Como? Em primeiro lugar, há dois princípios que devem ser aceitos:

 1) Cada novo momento é fruto obrigatório das condições causais antecedentes e não pode ser recusado. Assim, aquilo que nos acontece deve ser plenamente aceito, de coração, como inevitável. Até porque é mesmo. Imaginar o contrário é supor que os acontecimentos são gratuitos, não têm causa, ocorrem aleatoriamente, ao contrário do que diz a lei de causalidade universal: até uma folha que cai no chão não é por acaso, fruto da volição dela, que um belo dia teria dito: "Sabe, ando meio paradona, vou cair no chão". Não. Muitas forças atuaram do jeito certo, muitas causas contribuíram para que ela caísse.

Cientes de que cada movimento na materialidade é predeterminado por inúmeras causas, não nos revoltaremos com as situações a que a vida nos submeter, sejam coisas agradáveis, dolorosas ou imprevistas (conflitos, acidentes, separações, doenças, perdas irreparáveis, etc.), entendendo que não nos acontecem por acaso. Isso equivale a aceitar profundamente o radical preceito de Jesus: "SEJA FEITA A TUA VONTADE".

 2) Nosso campo emocional não é nosso: é patrimônio comum da humanidade e resulta de milênios de experiência terrena; mas, de um lado, NÃO DEVE SER NOSSO AMO, e, de outro, não pode ser suprimido nem controlado, pois a sensação de controle, que é o ideal do ego, ocorre apenas sob condições temporárias onde o balanço de forças lhe é favorável, sendo por isso que o homem adora o poder (o que infla sua identidade egoica e o distancia de Deus) — esquecendo que, na eterna alternância das condições, sua fragilidade pode surgir ao virar a próxima esquina. ISSO SIGNIFICA que não se pode recusar o mundo emocional nem aceitá-lo (no sentido de submeter-se a ele), o que contraria nossa lógica binária — ou "x" é correto, ou seu oposto, "não x", deveria ser correto —, gerando uma situação de impotência para o ego, sempre identificado com o "fazer algo".

A aceitação desse princípio desveste o "eu" de sua suposta vontade própria (sou forte, tenho controle, sei fazer escolhas, etc.), situando o pensamento apenas como mais um elo da cadeia da causalidade (pois também é causado e sem liberdade), e colocando o ser humano na total dependência da Vontade Divina, com a qual ele se unifica.

Entretanto, em nossos dias essa aceitação e transformação se torna cada vez mais difícil, pois estamos numa época de extrema valorização e expressão do eu pessoal, de suas paixões, gostos e desgostos. Tudo isso induz o ser humano ao distanciamento do Espírito e sobretudo ao consumismo, pela doutrinação incessante de que a felicidade depende de aquisições e experiências sensoriais — atando-o cada vez mais à materialidade, graças a dominação mental propiciada pelos objetos da tecnologia, com os quais a humanidade alienada se deslumbra e foge de si mesma.

Aguarde a continuação


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