A manifestação universal, do ponto de vista da existência consciente em uma forma física é,
para o poeta, um imenso peso, "uma noite interna", escuridão, falta de sentido de tudo:
Quando é que passará esta noite interna, o universo,
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
"Despertar de estar acordado" é uma expressão peculiar. O estado de vigília, de estar acordado
exercendo nossas atividades cotidianas, é parecido com um sonho — onde pensamentos e imagens
surgem aleatoriamente gerando desejos, temores, apegos, aversões, contrariedades, bem estar, risos e
lágrimas, em suma: enredos e personagens que apertam nossos botões e despertam reações inadequadas, deixando rastros dolorosos.
Portanto, "despertar de estar acordado" é sinônimo de libertação do Espírito; e o poeta pergunta:
Quando? Quando é que eu, a minha alma, terei meu dia?
O "eu" do poeta é a alma, a totalidade das aprendizagens emocionais
e do anseio de felicidade no mundo,
que na maturidade cede lugar ao desejo de libertação do mundo, levando-o a perguntar:
Quando é que eu, a minha alma, terei meu dia?
Ou seja:
Quando é que meu Espírito estará centrado em si mesmo, deixando de responder cegamente
aos estímulos do cotidiano?
Então ele observa nossa insignificância perante os objetos e eventos do mundo fenomênico:
não controlamos nada, a ideia de controle é apenas uma fantasia e uma ilusão
de nossa mente reativa em eterno vir a ser em busca da Felicidade.
O sol brilha alto, Impossível de fitar.
(a Realidade é incognoscível)
As estrelas pestanejam frio, Impossíveis de contar.
(que somos diante do Universo?)
O coração pulsa alheio, Impossível de escutar.
(nossa sensibilidade se limita às sensações físicas e emocionais)
E pergunta:
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
O drama sem teatro é nosso coração, que sofre em silêncio suas dores, sem nenhuma plateia para assistir.
O teatro sem drama é o funcionamento impessoal da natureza, onde não há um "eu" sofrendo o existir.
E a expressão "recolher a casa" significa o fim da pesada identificação do Espírito com o corpo,
significa a alma enfim liberta do drama e do teatro, e essa libertação é seu maior desejo.
Mas a libertação da alma não é possível por meios racionais, pois a identificação com a
herança cármica está profundamente gravada em nossos neurônios e em todas as nossas células.
Como será possível o fim do medo e da ansiedade por explicações racionais, filosóficas ou mesmo por meio das narrativas religiosas,
se as consciências física, emocional e mental, origem de nosso eu pessoal, só
têm poder para prender, não para libertar?
Gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo?
É esse! É esse!
Então ele fala do gato, de seu misterioso olhar felino, quando fita algo com atenção:
Que tens lá no fundo
(de teu olhar impessoal)?
Será que nesses profundezas a CONSCIÊNCIA DO UNIVERSO está testemunhando silenciosamente
sua própria obra, levada a efeito por meio da humanidade desencaminhada?
O poeta intui que a libertação da alma tem que provir de uma região acima da mente humana,
tem que provir do Mistério que apenas contempla,
tem que provir do Vazio que não verbaliza nada, mas nos remete ao silêncio do Espírito em si mesmo.
Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei;
E então será dia.
Como por milagre, a noite escura da alma cederá à luz da consciência silenciosa, enfim entronizada nela própria:
Sorri, dormindo, minha alma!
Sorri, minha alma, será dia!
De posse dessa certeza, mesmo que ainda estejamos no drama sem teatro, a alma pode finalmente sorrir...
Ou seja, a libertação do Espírito tem que surgir AQUI MESMO, neste vale de lágrimas,
no mundo das mutações, deterioração e impermanência de todas as coisas.
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