II - A JORNADA DA ALMA EM 40 ESTROFES
José Carlos Corrêa Cavalcanti
1
De Buda a sabedoria
e a perfeita Compreensão;
De Jesus a Unidade
e a imensa Compaixão —
Aprendi muito na mente
Mas pouco no coração.
2
Andei nos caminhos de tudo
Querendo encontrar meu Nada
Que, porém, me sustentava
A cada passo na estrada:
No mais profundo de mim
Era a mim que eu procurava.
3
Meu Nada é o Espírito
é Puro Conhecimento
é livre de conteúdos
Livre do espaço e do tempo
é o eterno Presente
Não feito de pensamento.
4
Mas um véu de ignorância
Me escondia do que sou
Dos pensamentos que vinham
Me sentia o pensador,
Das escolhas que eram feitas
Me sentia o escolhedor.
5
Eu imaginava ser
Um núcleo particular
Separado do universo
Ocupado em preservar
O corpo que o Infinito
Em mim fez manifestar.
6
Adentrando a este mundo
Descobri o bem e o mal
Mas a árvore da Vida
Que carrego esquecida
Se transformou no meu peito
Num vazio abissal.
7
No mundo de mutações
Vi que não tinha alegria
A chamada impermanência
Drenava minha energia.
Eu vivia agoniado
Triste de noite e de dia.
8
Então fiz uma pergunta:
Quem é que sofre, ó irmão?
O pensamento não é;
Nem tampouco a sensação.
Se eu disser que é o "eu"
Não agrega informação.
9
Porque quando o procuro
Pelo caminho que for
Só encontro o sofrimento
Que é percepção da dor
Assim é que a consciência
Passa pelo sofredor
10
O ego desconhece
O que é honestidade
E finge com perfeição
Pois mentir é sua base
E o seu maior desejo
é impor sua vontade.
11
Não há ego sem disfarce,
Mentira e fingimento.
Liberado dessa carga
Muda seu comportamento
Sua face original
Brilha no mesmo momento
12
Ele vive se escondendo
Pois surgiu da escuridade
é um Ator que representa
Inúmeros personagens
Em cada um desejando
Encontrar felicidade.
13
Hoje vejo que buscar
Compreensão intelectual
Sem abrir-se ao sofrimento
Em desproteção total
Só faz gerar vaidade
Sem transformação real.
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Ao ver tudo dar errado
Oposto ao que se queria
Suportar a indiferença
E até mesmo zombaria
Sem ficar triste ou irado —
Aí existe valia.
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Quero o céu aqui e agora
Vivendo serenamente
Bem na Fonte de onde vim
Não como ser separado
Mas como ser enviado
Pelo Infinito em mim.
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Medo, raiva e ciúme
Tristeza e inquietação
Muitas vezes me amarraram
Aos espinhos da emoção
Mas o perfume do Amor
Liberta meu coração.
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Sei que Amor não se define
Mas há quatro qualidades
Que de Jesus emanavam
Em imensa proporção:
Amizade, confiança
Sacrifício e comunhão
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Sendo amizade perfeita
Confiança resoluta
Sacrifício inigualável
Comunhão absoluta
Seu exemplo imorredouro
Me inspira e me transmuta.
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Amizade é olhar profundo
Confiança a fundação
Sacrifício quebra o ego
E prepara a comunhão
Que leva ao renascimento
Numa nova dimensão.
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Seitas, livros e palestras
Roubavam minha atenção
Cada guru que eu via
Tinha sua solução
Mas criavam dependência
Sem trazer libertação.
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Confiando no intelecto
Eu juntei conhecimento
Querendo a todo momento
Libertação pessoal
Mas as coisas da memória
Não são a chave real.
22
No fundo do eu separado
Existe um núcleo fechado
Em perene ansiedade
Formado de culpa e medo.
E somente o Puro Amor
Pode abrir esse segredo.
23
A fagulha Consciente
Lá dentro está trancada
Pensa que sua pureza
Se encontra maculada
Por isso só sai dali
Com a face disfarçada.
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Não espelha o infinito
Mas sua própria vontade
Está sempre escondida
Durante toda a viagem
Dentro de algum personagem
Que representa na vida
25
Seu coração não é puro
Pois abriga outra intenção
Plantou em si a semente
Da própria separação
Isso já vem de longe,
Aconteceu com Adão
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Este em plena união
Teve vergonha de Deus
Ao guardar no coração
Uma ideia diferente
E assim se extraviou
A Presença Consciente.
27
Por isso sua identidade
é feita só de memória
da história pessoal,
Daquilo que é temporário,
Mutável e transitório,
Sempre insubstancial.
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Pense num raio de sol
Entrando num orifício
De um ambiente escuro,
Desconhecido e fechado.
O que havia lá antes
Será enfim revelado!
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E graças à luz solar
Pequenos grãos de poeira
São dados à percepção
Flutuando no espaço
Num movimento caótico
Sem rumo nem direção.
30
Em sua própria escala
Têm tamanhos variados
Cores e temperaturas
Texturas diferenciadas
Mas nada era percebido
Pois não era iluminado!
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Será que o raio de Luz,
Em si, pode perceber?
Não, pois sua natureza
Não faz discriminação
Entre isso e aquilo,
é pura iluminação.
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O Espírito então projeta
A forma material
Insufla nela a vida
Dotada do sensorial
E pelos cinco sentidos
Percebe o mundo plural.
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Mas é por contiguidade
Que ocorre a percepção
Não por mesclar-se à matéria,
Uma vez que a atenção
Não vem de fonte terrena,
Vem de outra dimensão.
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É como o raio de luz
Que emana da fonte solar
E ao energizar a planta
Linda flor faz germinar.
Mas ele não é da Terra,
Não pode se misturar.
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Ao contato com a Luz
Fica a matéria animada
Mas não que a Consciência
Fique nela impregnada
Ao contrário, vem de fora,
DO INFINITO EMANADA!
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Pois bem, o raio de sol
Vendo a flor exuberante
Por ela se apaixonou
E esta disse, exultante:
Sou eu que percebo o mundo
A luz em mim se mesclou!
37
O príncipe deste mundo
é glória do Infinito
Tem origem mui formosa
Era o Anjo mais bonito
Mas depois se corrompeu
Tornando-se então proscrito.
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A matéria julga assim
Que a consciência lhe pertence
Como por direito inato.
Separando-se da Fonte
Segue os caminhos da mente
Num propósito insensato.
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A suposta unidade
Do raio solar e a flor
é o terreno da tristeza
Onde medra toda dor.
é triste pois em sua base
Há o impulso criador.
40
Vem daí o isolamento
Que sentimos na existência
Vamos atrás dos desejos
Esquecendo nossa essência
é por isso que vivemos
Em permanente carência.
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