IV - MEU OLHAR PARA O MUNDO
José Carlos Corrêa Cavalcanti
1
Olho o mundo por meio
Das portas sensoriais,
Dos pensamentos dispersos
E as sensações corporais.
Não admira que eu perca
A mim mesmo em coisas tais.
2
Pois as coisas manifestas
Atraem muita atenção
Ficando despercebido
O autor da percepção —
O infinito no finito,
Além da compreensão.
3
Minha presença no mundo
Está sempre dividida
Parte dela observando
E outra parte envolvida
Numa luta de vontades
Que é o drama desta vida.
4
Pois aí minha atenção
Fica em desarmonia
Entre as coisas como são
E o que eu preferiria
Não estando em minha mão
Sempre vencer a porfia.
5
Ganhe ou perca a questão
Fica sempre um sabor
De euforia ou depressão
Que não pode trazer paz,
A não ser que ela estivesse
Já presente na ação.
6
Mas a mente quer mudar
Em contento o dissabor
E assim adentra ao conflito
Como seu próprio autor
Pois quer abrir-se somente
Ao prazer, mas não à dor.
7 Aceitar a frustração
Sei que traz melancolia
Recusar inda é pior,
Dobrando sua energia,
Mas um ego quebrantado
Vai buscar sabedoria.
8
Além do bem e do mal
Há uma base interior
Que é nosso ponto fulcral.
Confiar nela inteiramente
Submete nossa mente
A um silêncio total.
9 O pensamento dirá
Que isso é pouco provável
Pois deseja continuar
Tagarela infatigável
Teme desaparecer
No domínio do Insondável.
10
Manter a mente focada
No que é suprassensível
Somente será possível
Com a mente transformada
Na substância invisível
Da qual está permeada.
11
Há porém a tradição
De buscar satisfação
Projetando-se no mundo
Mesmo que na terra inculta
A colheita seja ingrata
E o desencanto profundo.
12
O ego é um segredo aberto
Que se pretende secreto
Para agir disfarçado.
Mas aos olhos da Presença
Nada existe de oculto
Que não seja revelado.
13
A Presença é acolhimento
Mas não para os personagens
Que o pensamento produz
Como se faz nas filmagens:
Gerados por narrativas
Emoções e paisagens.
14 Acolhe sim, mas o falso
Ali não pode entrar
Precisa ser depurado
Do que lhe foi agregado
Pelos papéis que na vida
Esteve a representar.
15
A Mente é como um espelho
Em que as coisas refletidas
Só existem no momento
De sua percepção
Pois em menos de um segundo
Já há outra reflexão
16
Mas o cérebro registra,
Compondo nossa história
Toda essa atividade
Pessoal e transitória
Gerando uma identidade
Baseada na memória.
17 Nossas lembranças se esfumam
Pois estamos de passagem
Elas perduram, se tanto,
Na duração da viagem
Não precisamos levar
O peso dessa bagagem.
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