desenredo, subst.
masculino -
ação ou efeito de
desenredar (-se);
      * * * * * * DESENREDO * * * * * *      
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desenredamento;
desprender-se da rede;
separar-se do que
está enredado.

A SAGA DE 30 ANOS DE BUSCA ESPIRITUAL (parte 1)
José Carlos Corrêa Cavalcanti
14/03/2023

TATEANDO APÓS A DESPEDIDA DE UM EMPREGO

Em 15 de março de 1993, no dia do Consumidor, eu saí do Procon, onde trabalhava como Analista chefe do setor de Informática. Juntei todos os programadores e o chefe do Departamento e os levei a um restaurante na rua Líbero Badaró, oferecendo-lhes um almoço, a título de despedida dos colegas do trabalho (com os quais, aliás, em pouco tempo viria a perder totalmente o contato).

Concluída a refeição, eles voltaram ao serviço e eu fui andar pelas ruas. Sentia-me livre... o centro de São Paulo ainda era exuberante, as grandes lojas ainda estavam lá e o movimento era intenso. Entrei num café e fiquei observando o panorama, enquanto saboreava um delicioso "café com leite canelinha". Sentia-me muito infeliz por essa época, e a animação que as pessoas demonstravam me distraía de mim. Em amarga crise existencial e espiritual, todo dia me perguntava: "Que fiz de minha vida? que sentido faz tudo isto? existe felicidade neste mundo?" — e não encontrava nenhuma resposta, nada! Queria mudar minha vida — e comecei saindo do emprego, onde estava completamente desmotivado. Mas, rumo ao quê? Não sabia. Meu sentimento predominante, e que me fez companhia muito tempo, era bem descrito por um verso de Fernando Pessoa: Mal sei como conduzir-me na vida, com este mal-estar a fazer-me pregas na alma.

Caminhando lentamente, passei na rua Barão de Itapetininga e, do nada, vi na vitrine da tradicional livraria Brasiliense (muito movimentada, naquela época), um livro chamado "Reflexões sobre a vida", de um autor de nome exótico (que nunca tinha escutado falar) chamado J. Krishnamurti. Entrei na loja, folheei o livro e o comprei. Eu não sabia, mas, prestes a completar 44 anos, estava inicando um novo ciclo, dando um sentido completamente diferente à minha existência.

Assim, pus-me a ler o livro, e embora naquele momento não entendesse bem sua mensagem, algo nele chamava meu interesse e o li atentamente. Assim passei os anos seguintes, comprando livros sem indicação alguma, com base apenas na intuição: outros livros de Krishnamurti, de Alan Watts, Osho, Ramana Maharshi, Lao Tse... e lendo-os atentamente, em busca das respostas às indagações existenciais e espirituais que me ocupavam a mente e o coração.

Bem devagar, alguma compreensão ia se fazendo em minha alma. Enquanto isso, a vida ia fazendo rapidamente seu trabalho: problemas de saúde, o dinheiro acabando, o desânimo para continuar trabalhando na minha área e, mesmo assim, continuei firme nessa busca de algo que eu não sabia ao certo o que era, mas que se poderia dizer que era o fim do sofrimento, como eu tinha lido num livro sobre budismo.

E tudo foi caindo... na virada do ano 2000, meu meio século me encontrou pobre, solitário, desempregado e triste. Sentia-me como o próprio Filho Pródigo, que embora tendo feito meia volta em seu caminho de frustrações e dores em busca da casa paterna, sua identidade original, peregrinava a esmo por trilhas incertas.

A JORNADA EM BUSCA DE MIM MESMO

Entrai pela porta estreita (larga é a porta, e espaçoso, o caminho que conduz para a perdição, e são muitos os que entram por ela), porque estreita é a porta, e apertado, o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela. (Mateus 7:13,14)


Mais de uma dezena de anos se passou sem que eu experimentasse nenhum alívio duradouro, embora eu me considerasse muito aplicado e sério buscador das respostas que eu tanto procurava. Pensava comigo: "Meu Deus, tanto tempo nesta senda sem encontrar nada de verdadeiramente profundo e significativo... o que estarei fazendo de tão errado?"

Então, percebi que estava agindo como o burro da antiga fábula, que não queria trabalhar — e o dono amarrou uma cenoura na frente da boca dele, que, no afã de alcançar o alimento, acabava por movimentar o arado. Ou seja, eu estivera todo esse tempo em busca de uma recompensa — e não tinha dado certo! Demorei muitos anos para compreender que a busca religiosa não podia ser enquadrada nos moldes habituais: um sujeito em procura de um objeto!

Entre as inúmeras leituras eu tinha lido em algum lugar: "Tu tens que te transformar naquilo que buscas". Isso me impactou muito, pois indicava que o objetivo final desejado, a PAZ verdadeira, teria que ser encontrada dentro, e não fora de mim mesmo — e meu mundo interior era caótico, com pensamentos e desejos contraditórios, sensações e emoções desencontradas. Será que eu deveria procurar melhorá-lo, selecionar o que era bom e reprimir o que não prestava?

Mas ESSE era o problema: quem haveria de fazer a mudança? Até onde eu sabia, meu "eu" era o processo de pensar e sentir visando alegrias para a alma e bem-estar para o corpo; como poderia, então, ser ele o algoz dos conteúdos mentais dolorosos aos quais eu tinha chegado exatamente sob sua condução? Sendo, desde sempre, formado por emoções e alimentado por pensamentos, como poderia ele ter descoberto o "caminho das pedras" mediante o qual estaria apto a discernir tais conteúdos e depurar-se dos mesmos? Seria realmente possível que as escolhas e decisões do pensamento cancelassem as dores da alma?

Não me parecia isso ser possível de forma alguma, pois uma suposta entidade libertadora feita de pensamentos parecia mais uma reciclagem da antiga criatura, sem transcendência nenhuma, um truque da mente que, sem dúvida, me conduziria ao sentimento de possuir internamente um eu virtuoso, digno da Paz divina por méritos próprios; não haveria nisso um elemento de vaidade?

Lembrei-me da mensagem de Jesus que falava da dificuldade da alma para poder passar pelo caminho estreito — demasiado estreito, realmente, para deixar passar algo além de unicamente o próprio Espírito em sua nudez, em sua inocência livre de qualquer autoimagem. E não era nada inocente querer gerar a paz interior por recursos próprios — além de inútil, algo como o produtor de barulho procurar pelo silêncio. O ponto crucial, portanto, não era me livrar da carga dos pensamentos, sensações e emoções que eu carregava, mas sim desmascarar o sentimento de ser uma entidade pessoal separada desses mesmos conteúdos.

Percebi, então, que a origem desse sentimento era o desejo de agir sobre os mesmos, melhorando uns e erradicando outros, sempre objetivando o bem-estar interior mas sempre mediante seleções e supressões — o que, na prática, produzia uma luta inglória que unicamente os empoderava e eternizava.

Comecei a perceber (ainda em nível intelectual) que era precisamente essa identificação com uma entidade imaginária a raiz de meu sofrimento e conflito interior. Mas a pergunta recorrente me desafiava: se eu não sou o suposto "juiz isento" destinado a "pôr ordem na casa", quem ou o quê sou eu?

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