desenredo, subst.
masculino -
ação ou efeito de
desenredar (-se);
      * * * * * * DESENREDO * * * * * *      
Site idealizado por José Carlos Corrêa Cavalcanti (2005)
desenredamento;
desprender-se da rede;
separar-se do que
está enredado.

É POSSÍVEL O SILÊNCIO INTERIOR?
José Carlos Corrêa Cavalcanti      (29/jan/23)

É possível o silêncio interior?

Essa é uma pergunta profunda. É a pergunta dos que sofrem — e estão exauridos em seu sofrimento. Chegaram ao “fundo do poço” existencial.
Poucos fazem esse tipo de questionamento; só aqueles que se cansaram de supostas soluções do tipo “mais do mesmo”: um novo relacionamento, um emprego melhor, talvez uma nova profissão, ou morar num lugar bonito, tranquilo, etc. Sabem que a verdadeira solução não vem daí (embora não se excluam medidas desse tipo, quando necessárias).

Profundamente insatisfeitos com sua vida psicológica, perguntam se é possível o silêncio da mente. Por isso, é uma pergunta radical.

Antes, eu sofria por causa de eventos desafortunados no mundo exterior. Agora, vejo que sofro por causa da natureza do mecanismo mental, isto é, do movimento involuntário, caótico e recorrente da memória desses eventos (e dos julgamentos e emoções a eles associados), que ocorreram há décadas ou, talvez, ontem mesmo.

Não estou dizendo que devemos negar nosso mecanismo mental (quem o faria?). Também não estou elogiando um estado parecido com o mal de Alzheimer. Estou citando um fato: as lembranças surgem compulsivamente e, via de regra, nos trazem estados emocionais dolorosos. E elas não estão sob nosso controle.

Afinal, de onde vem o sofrimento, senão de nossas lembranças? Uma culpável sensação de ter errado em nossas escolhas; a tristeza pelas perdas; as mágoas, culpas, temores... Como escapar do sofrimento-memória, em cuja base estão “apego" e "aversão”, os próprios fundamentos de nossas incessantes avaliações do mundo?

 

O perguntador precisa de uma resposta cabal, profunda, verdadeira, pois sua mente, no intervalo entre a pergunta e a resposta, está ansiosa, atormentada, cheia de expectativa de passar do sofrimento para a tranquilidade, da perturbação para a paz interior.

Passar de um estado de espírito negativo ao seu oposto, será isso possível? Talvez, mas por pouco tempo e a um custo alto, mediante distrações, álcool, substâncias químicas; nada disso, porém, resolve a contradição básica da psique, que deseja a continuidade sabendo da morte, e busca a felicidade/fuga da dor num mundo que nos oferece em abundância exatamente o contrário disso.

Outro ponto importante ao perguntar se é possível o silêncio interior é: quem haverá de responder essa questão? Primeiro de tudo, eu teria que confiar na pessoa e na resposta dada; sem isso nada conseguiria, pois só a confiança irrestrita (que é Amor) detém o processo da mente.

Não sei se você já pensou no Amor, com A maiúsculo, como sendo o estado de confiança absoluta, o que exclui boa parte do significado comum dessa palavra, geralmente usada em associação com dar e receber, proporcionar e usufruir.

Mas repare bem: mesmo estando imersos na materialidade e bombardeados incessantemente com ilusórias propagandas de felicidade mediante consumo, só na imaterialidade do Amor é que somos felizes. Confiar absolutamente é não ter dúvida de espécie alguma, é um STOP para a máquina da mente.

Mas o caso é que não confio muito, ou “confio desconfiando”, que pois sei que o desejo de poder, de subjugar ou explorar o próximo pode, talvez, estar presente naqueles que forem responder minha questão (será que estou julgando os outros por mim mesmo, projetando neles aquilo que está em mim?).

De qualquer modo, é bem provável que eu fizesse uma série de outras perguntas para esclarecer bem o que está sendo dito, ver se a resposta tem fundamento. Pois se alguém respondesse "Isso não é possível" eu ficaria frustrado, discutiria com tal pessoa, e se respondesse "Sim" eu perguntaria, imediatamente: "mas como? de que modo?" Mas, de pouco me adiantariam fórmulas como:

Filie-se a tal organização religiosa;
Faça tal meditação;
Leia tal livro;
Faça tal curso;
Pratique tal ginástica...

Certamente esse tipo de resposta está no campo da OCUPAÇÃO MENTAL e do critério “gosto/não gosto” para avaliar aquilo que é dito, não havendo, portanto, silêncio algum; ao contrário, pois esse tipo de sugestão exigiria novas experiências, práticas e atividades diversas — e todas elas se baseiam no tripé: resistir ao sofrimento, acreditar nas respostas do pensamento para os problemas da alma, e aceitar o TEMPO como meio de transformação da psique.

Válidos ou não, esses são os pilares que imaginamos essenciais para parar de sofrer. Até podem ser válidos em termos relativos, mas têm uma deficiência imensa: jogam a conta da falta de sentido da existência para o futuro, quando não tivermos para onde fugir.
 

Penso que as abordagens realmente profundas são aquelas que questionam a natureza de nosso eu, que resiste a todo tipo de dor ou simples contrariedade, é guiado por pensamentos e emoções, e está em permanente estado de vir-a-ser para encontrar a felicidade.

Observe um gato, cachorro, um leão ou até um mosquitinho: embora apegados ao corpo físico e tendo seu comportamento baseado em sensações, não há neles a noção de identidade pessoal, que depende inteiramente do pensamento.
Eles não possuem um eu para se preocupar pelo dia de amanhã, e por isso não conhecem o sofrimento psicológico.

As abordagens relativas, ao contrário, se baseiam no aperfeiçoamento do eu através de práticas guiadas pelo pensamento, dependente de melhores escolhas para encontrar a felicidade — mas o eu mental é apenas atividade do pensamento, o qual representa a consciência do corpo, desejosa de continuidade, desfrute de prazeres e fuga das dores. Em outras palavras: você não tem um eu pessoal na ausência de pensamento.

No estado de Amor, como CONFIANÇA COMPLETA E ABSOLUTA, simplesmente inexiste essa identidade fictícia. Essa descoberta desidentifica nossa consciência dos fenômenos que nela ocorrem (pensamentos, sensações, etc.). Isso significa que VOCÊ SAI DA FREQUÊNCIA DO "FAZEDOR DE BARULHO", o pensador, o avaliador, a falsa entidade que dá continuidade a si mesmo até quando quer atingir o silêncio.

Essa é uma compreensão sutil, que é difícil de entender no campo da mente; no entanto, em estado de Amor, ela é óbvia.
Imagine-se em um estado de CONFIANÇA TOTAL E ABSOLUTA em alguém. Isso, por si só, já não é o repouso da mente e o silêncio?
Quanto mais se essa confiança ampliar-se à Mente universal!


Mas vivemos dentro do mecanismo mental, matriz do eu pessoal, que não pode descobrir o silêncio, exatamente porque é ele mesmo que causa o barulho da eterna ocupação mental.


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