Samsara dividido por zero
por Thanissaro Bhikkhu Copyright © 2000 Thanissaro Bhikkhu
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O objetivo da prática Budista, nibbana (nirvana), se diz que é completamente desprovido de causa e exatamente nisso existe um paradoxo.

Se o objetivo é desprovido de causa, como pode um caminho de prática - que é causal por natureza - produzi-lo?

Essa é uma questão antiga.

O Milinda-pañha, um conjunto de diálogos composto no início da era cristã, relata uma conversa entre o rei Milinda e um monge, Nagasena, no qual o rei pergunta a Nagasena exatamente sobre isso.

Nagasena responde com uma analogia.

O caminho da prática não causa nibbana (nirvana), ele diz. Ele simplesmente o leva até lá - tal como um caminho para uma montanha não faz com que a montanha exista. Ele somente o leva até lá.

A resposta de Nagasena, embora muito apropriada, na verdade não solucionou o caso dentro da tradição Budista. Ao longo dos anos muitas escolas de meditação têm ensinado que as fabricações mentais somente atrapalham o atingimento de um objetivo que é desprovido de causas e não é fabricado.

Somente através do não fazer absolutamente nada, e dessa forma não fabricando nada na mente, eles dizem, o não fabricado surgirá.

Esse entendimento é baseado numa compreensão bastante simplista do que é a realidade fabricada, vendo a causalidade como linear e totalmente previsível: X causa Y que causa Z e assim por diante, sem nenhum efeito dando uma volta para condicionar as suas causas e sem nenhuma possibilidade de usar a causalidade para escapar da teia causal.

Uma das muitas coisas que o Buda descobriu no seu processo de iluminação foi de que a causalidade não é linear. A experiência no presente é moldada tanto por ações no presente como por ações do passado.

As ações no presente moldam o presente e o futuro. Os resultados de ações do passado e do presente interagem continuamente.

Assim existe sempre espaço para adicionar novos elementos ao sistema, o que abre espaço para o livre arbítrio.

Existe também espaço para a infinidade de processos de 'feedback' que fazem com que as experiências sejam tão profundamente complexas e que são descritas de maneira tão intrigante na teoria do caos.

A realidade não se assemelha a uma simples linha ou círculo. Ela se assemelha mais às trajetórias bizarras criadas por uma estranha força de atração ou um conjunto de Mandelbrot.

Como existem muitas similaridades entre a teoria do caos e as explicações Budistas acerca da causalidade, parece legítimo explorar essas similaridades, para ver como a teoria do caos pode ajudar a esclarecer como um caminho de prática causal pode conduzir a um objetivo que é desprovido de causa.

Isso não equivale a igualar o Budismo à teoria do caos ou de engajar-se em uma pseudo ciência. É simplesmente uma busca de semelhanças para esclarecer um aparente conflito nos ensinamentos do Buda.

E assim sucede que uma das descobertas da matemática não linear - que é a base da teoria do caos - esclarece justamente esse assunto. No século 19, o matemático francês Jules-Henri Poincaré descobriu que em todos os sistemas físicos complexos existem pontos que ele chamou de ressonâncias.

Se as forças que governam um sistema são descritas por equações matemáticas, as ressonâncias são os pontos em que as equações se cruzam de tal forma que um dos membros é dividido por zero.

Isto, é claro, produz um resultado indefinido, o que significa que se um objeto dentro do sistema se desgarrasse para um ponto de ressonância, ele não mais seria definido pela estrutura causal que determina o sistema.

Ele estaria livre.

Na prática, porém, é muito raro que um objeto encontre um ponto de ressonância. As equações que descrevem os pontos que se encontram imediatamente ao redor de uma ressonância tendem a desviar qualquer objeto que se aproxima, de entrar na ressonância, a menos que o objeto se encontre em uma trajetória precisa em direção ao núcleo da ressonância.

No entanto, não é necessária muita complexidade para criar ressonâncias - Poincaré as descobriu enquanto calculava as interações gravitacionais entre três corpos: a terra, o sol e a lua - e quanto mais complexo for o sistema, maior o número de ressonâncias e maior a probabilidade de que objetos irão se desgarrar na sua direção.

Não é surpresa, que meteoros em uma escala maior e eléctrons em uma escala menor, ocasionalmente se percam em uma ressonância num campo gravitacional ou elétrico e assim alcancem a liberdade da completa imprevisibilidade. Essa é a razão porque o seu computador ocasionalmente trava sem ter uma razão aparente e porque a mesma coisa pode um dia acontecer com as batidas do seu coração.

Se formos aplicar esta analogia ao caminho Budista, o sistema no qual estamos é samsara, o ciclo de renascimentos.

As suas ressonâncias seriam aquilo que os textos chamam de "não fabricado", a abertura em direção ao nibbana que não é sujeito a causas.

A parede de forças opostas ao redor das ressonâncias corresponderiam ao sofrimento, estresse e o apego.

Permitir que você seja repelido pelo sofrimento ou desviado pelo apego, não importando quão sutis sejam, seria o mesmo que aproximar-se de uma ressonância para então ser desviado para uma outra parte do sistema.

Mas focar diretamente na análise do sofrimento e do apego e desmontar as suas causas, seria como estar em uma trajetória direta para a ressonância para encontrar a completa, indefinível liberdade. Isto, é claro, é uma simples analogia.

Mas é uma analogia proveitosa para mostrar que não existe nada de ilógico em ativamente perseguir o controle sobre os processos de fabricações mentais e da causalidade com o objetivo de ir além da causa e efeito.

Ao mesmo tempo, dá uma dica de porque um caminho de total inércia não conduziria ao não fabricado. Se você simplesmente sentar-se quieto dentro do sistema de causalidade, você nunca irá chegar próximo das ressonâncias onde o não fabricado está. Você ficará flutuando no samsara.

Mas se você toma como objetivo o sofrimento e o apego e trabalha para desmantelá-los, você será capaz de romper a barreira depois da qual o momento presente será dividido por zero na mente.

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