desenredo, subst.
masculino -
ação ou efeito de
desenredar (-se);
      * * * * * * DESENREDO * * * * * *      
Site idealizado por José Carlos Corrêa Cavalcanti (2005)
desenredamento;
desprender-se da rede;
separar-se do que
está enredado.

A SAGA DE 30 ANOS DE BUSCA ESPIRITUAL - parte 5
José Carlos Corrêa Cavalcanti
08/04/2023

O "NADA FAZER"

Se qualquer movimento do ego-mistura agita ainda mais as partículas na água pura, o que ele pode fazer? (Lembremos que essa pergunta é feita no contexto da busca espiritual, e não no trato diário das coisas práticas, das ações técnicas necessárias à organização e condução da vida cotidiana).

O que ele pode fazer é nada fazer, a não ser ficar consciente de cada pensamento e cada emoção sem julgamento, apenas para conhecer amorosamente seu próprio estado mental e emocional. Assim como o movimento caótico das partículas na mistura se acalma, e elas vão se decantando no fundo do vaso na ausência de estimulação, os estados emocionais alterados se dissolvem diante da disposição de acolhê-los sem reação alguma ("Não resistais ao mal") — seja medo, tristeza, raiva ou qualquer outro, pois todos eles são passageiros, e o que lhes dá vitalidade é precisamente o procedimento reativo.

Ainda quando muito jovem, certa vez fui ao pastor da Igreja, questionando um trecho da Bíblia, (Eclesiastes 7:2-4), que dizia:

Melhor é a mágoa do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração.
O coração dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos, na casa da alegria.


Ainda me lembro da troca de olhares entre o pastor os presbíteros, sorrindo bondosamente ao ouvir minha pergunta. Eles acolheram gentilmente minha incompreensão do referido texto, mas imaginem a dificuldade de explicar o assunto a um jovem de 16 anos...

Demorei muito, muito tempo para compreender, por mim mesmo, que faz bem ao espírito conhecer, em silêncio e sem reagir, as dores que ele, como ego, tem se auto-infligido — e ocultado de si mesmo, fugindo rumo aos diversos tipos de distrações, como o faz a maior parte da humanidade, animando o fértil mercado do entretenimento. E tudo para não ver o próprio medo e sofrimento!

A esse respeito, vejam que espantoso texto de autoria de Jung:

"Que eu faça um mendigo sentar-se à minha mesa,
que eu perdoe aquele que me ofende e me esforce por amar, inclusive o meu inimigo,
em nome de Cristo, tudo isto, naturalmente, não deixa de ser uma grande virtude.

O que eu faço ao menor dos meus irmãos é ao próprio Cristo que faço.

Mas o que acontecerá, se descubro, porventura, que o menor,
o mais miserável de todos, o mais pobre dos mendigos,
o mais insolente dos meus caluniadores, o meu inimigo,
reside dentro de mim, sou eu mesmo, e precisa da esmola da minha bondade,
e que eu mesmo sou o inimigo que é necessário amar?"

(Carl Gustav Jung THE COLLECTED WORKS OF CG JUNG – volume XI, par. 520)


Não podemos fugir de nós mesmos. Somente a contemplação acolhedora e amorosa de nosso mundo interior, sem nada fazer, é ação transformadora, pois faz surgir a Compaixão, até então desconhecida, ou entendida como piedade para os que pedem nas ruas, os que estão doentes ou presos, ou em grande sofrimento — porque então cada um percebe ser ele próprio que está em grande sofrimento, doente, preso, e pedindo amor!

Cada um passa a ver si mesmo como o espaço (inconsciente de si) onde preconceitos, condicionamentos e dores antigas moldam seu comportamentos e suas opiniões, gerando reações de agrado ou desagrado, aprovação ou condenação, simpatia ou raiva — simplesmente na medida em que seus desejos, expectativas ou inclinações sejam satisfeitas ou não.

O EU PESSOAL E A VOLIÇÃO

O que nos dá a sensação de ser um "eu pessoal" é a atenção, acrescida dos conteúdos da memória, (isso vale mesmo para os animais; a identidade "pessoal" de um gato é sua atenção mais seus condicionamentos; o mesmo ocorre com um cachorro, etc.). E o estado "normal" de nossa atenção é estar acorrentada aos objetos da mente, como pensamentos (lembranças, juízos, crenças, etc.), percepções (do mundo exterior, por meio dos cinco sentidos) e sensações físicas (incluindo as emoções).

Por isso, quando você procura pelo seu "eu", não encontra nada a não ser os objetos da mente, os quais resultam da experiência, das aprendizagens e condicionamentos, do desejo de afastar a dor e realizar o prazer.
Todos esses objetos são transitórios, finitos e estão sempre em estado de mudança, de fluxo, reciclando-se constantemente mas sempre gravitando ao redor de nosso Ser autêntico e DESCONHECIDO, do qual o eu pessoal é apenas uma sombra que imagina: "se eu conseguir tal coisa, ficarei feliz", ou "se eu me livrar de tal problema, ficarei tranquilo".

Portanto, a aparência é que nossa identidade é o eu pessoal, o que é corroborado pela maioria esmagadora da humanidade, igualmente iludida. Ora, a principal característica do eu separado, ou ego, é a noção de possuir vontade própria (através do pensamento), a qual age no espetáculo da existência a fim de conseguir felicidade e fugir da dor. Mas cada ação por ele praticada, sempre conduzida pela volição contida no pensamento, é inteiramente análoga a uma onda do mar que se lança impetuosa à praia — conduzida pelas tremendas forças atuantes no mar, do qual ela é uma manifestação.

Digamos que a violência da onda cause efeitos danosos nas pessoas e no ambiente próximo da praia. Isso seria algo como um ato violento por parte de um ego compelido por pensamentos destrutivos. Nesse momento, o eu encontra-se identificado com esses pensamentos (talvez, posteriormente, vendo as consequências desastrosas, surjam pensamentos de arrependimento, remorso, levando o "eu" às lágrimas, a fazer promessas de se modificar, etc.)

Em todos os casos, devemos notar que, assim como o comportamento da onda do mar não é autônomo, da mesma forma o pensamento destrutivo (ou outro qualquer), que cria e manipula o eu pessoal, também não é independente: provém do todo da alma humana, onde atuam forças poderosas, muitas vezes divergentes e antagônicas, cada qual querendo se manifestar por si mesma sem tomar conhecimento das demais.

Isso desconstrói o eu pessoal como unidade autônoma e independente, mostrando-o como campo de expressão de pensamentos conflituosos, transitórios e egocêntricos que exigem manifestar-se, e assim geram a ideia de vontade própria do "eu" — mas sendo apenas a eclosão do mar revolto de seu mundo interior, ora de um jeito, ora de outro, dependendo dos condicionamentos ativados, dos humores e predisposições circunstanciais, e dos arranjos provisórios das condições aparentes levando a ações que, não raramente, custam muito sofrimento.

Vivendo nesse estado mental, nossa existência, estará bem descrita nos versos de Shakespeare:

"A vida é apenas uma sombra errante ... uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, não significando nada".

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