Operando
com o desconhecido
O
procedimento de Bombelli, ousado para sua época, opera com o símbolo
como se fosse um
número comum, ou seja:
(
)2 = -1
(
)3 = (
)2.
= -1.
= -
Para felicidade geral, porém, os termos desconhecidos se cancelavam na expressão
x = (2 + ) + (2 - )
resultando então o valor 4, que já
se sabia ser a solução da equação x3 = 15x + 4. Isso (o
cancelamento dos termos "imaginários") não foi coincidência. Na
verdade, o raciocínio de Bombelli foi criado em cima de uma hipótese que
intencionalmente levava a esse cancelamento, ou seja:
= 2 + m
e
= 2 - m
Ou seja, ele partiu do conhecimento
prévio de uma solução da equação x3 = 15x + 4, e criou um
algoritmo que manipulava quantidades imaginárias (desconhecidas),
subordinando-as porém às mesmas regras operatórias habituais dos números
conhecidos
.
Como
na expressão final essas quantidades aparecem com sinais opostos e se cancelam
(e aí também se vê o prolongamento de propriedades numéricas habituais), o
resultado final é um número conhecido.
Podemos dizer também que Bombelli partiu do conhecimento prévio de que x= 4 era a solução da equação e, munido das regras operatórias habituais entre os números conhecidos na época, aplicou arbitrariamente essas regras a quantidades "imaginárias" e deu um mergulho no desconhecido não para entendê-lo, mas para eliminá-lo.
Isso
ilustra o fato de que os novos números despertavam as mais profundas suspeitas,
sendo considerado fantasmagóricos ou imaginários, tendo essa última
designação permanecido até nossos dias, ao lado da expressão números
complexos.
As
limitações do método de Bombelli
Do
ponto de vista prático, isto é, da efetiva resolução de equações de terceiro
grau, o método de Bombelli teve reduzido alcance, pois, como vimos acima, era
necessário o conhecimento prévio de uma das raízes da equação, o que nem sempre
é possível; se fosse, obviamente nenhuma fórmula resolutiva seria necessária.
Contudo, sem tal conhecimento, o algoritmo de Bombelli falha clamorosamente,
como veremos no seguinte exemplo:
Considere um cubo de aresta = x; seu volume será dado por V = x3. Em seguida, imagine um paralelepípedo de base = 3 e altura = x; seu volume será dado por V1 = 3x. O problema, então, é o seguinte: obter x de modo que V = V1 + 1.
Obviamente, isso equivale a
resolver a equação: x3
=
3x + 1 .
Mediante
aplicação direta da fórmula de Cardano-Tartaglia, obteremos:
x =
+
Mas
essa resposta não faz nenhum sentido; o problema, porém deve possuir solução,
como demonstra o seguinte raciocínio: quando x vale 1, temos que o volume do
cubo é V = 13, ou seja, também vale 1, enquanto que
o volume do paralelepípedo, mais um, vale 3*x+1 = 3 + 1 = 4, portanto maior do
que o volume do cubo.
Mas
quando x=2, temos que o volume do cubo é V = 23, ou seja, 8, enquanto que o volume do
paralelepípedo, mais um, vale 3*2 + 1 = 7, portanto menor do que o volume do
cubo.
Uma vez que esses volumes variam continuamente
em função de x, a intuição nos diz que deve existir uma altura
(compreendida entre 1 e 2) tal que os dois valores se igualem.
Em
termos de uma linguagem matemática moderna, nós diríamos que a função contínua
y = x3 - 3*x - 1 troca de sinal ao passar de x=1 para x= 2, logo,
admite ao menos uma raiz situada entre esses dois valores (é o chamado teorema do anulamento).
Tentemos
aplicar o algoritmo de Bombelli para a solução encontrada:
x =
+
Seguindo as pegadas do método usado
por Bombelli,
precisaremos determinar os valores de
e de
Acontece que lá
ele sabia que o valor x=4 era
solução da respectiva equação, e agora nós não sabemos. Então teremos que fazer:
= x + y*
e
= x - y*
Notem que aparecem duas variáveis, x e y, enquanto que no caso de Bombelli ele já sabia que 4 era solução, e assim atribuiu para a parte "real" de cada uma das raízes cúbicas o valor 2, valores esse que somados reproduzem o valor 4.
Elevando ao cubo e agrupando as partes "reais" e
"imaginárias", teremos:
x - 3*x*y2 =1/2
e
3*x2*y - y3 =
/2
Isso mostra que o método de Bombelli é redundante, pois para resolver uma equação de terceiro grau precisaremos, em geral, resolver um sistema de duas equações de terceiro grau!
No próximo segmento deste artigo mostraremos como o assunto ficou em suspenso por mais de 2 séculos,
até que, quase simultaneamente, Wessel, na Dinamarca, Argand, na Suiça, e Gauss, na Alemanha
tiveram a idéia de representar os novos números graficamente.
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