Esperança é
para amanhã, não para hoje
(continuação -
ver parte inicial)
No momento que você vê por si
mesmo, você torna obsoleto e falso tudo o que estou dizendo. Tudo o que veio
antes é negado nesse fogo. Você não pode chegar à sua própria singularidade a
menos que jogue fora de seu sistema o todo da experiência humana.
Isso não pode ocorrer por meio da volição nem por meio da ajuda de alguém.
Então você está no seu lar.
Pergunta: Parece-me que há um tipo especial de valor (coragem) que é necessário
para o que você descreve. Estou certo?
U.G.:
Sim. Mas não é coragem no sentido usual. Não é coragem que você associa com
batalha ou conquistas. O valor de que estou falando é a coragem que surge
naturalmente quando não há mais medo nem senso de autoridade, quando tudo isso
sai de você. Nâo se trata de uma qualidade que você usa para conseguir algo. O
final da atividade, o fim da tradição em você é coragem.
Pergunta: Mesmo com essa coragem não garante que alguém não esteja errado sobre
a vida, ou ela não se engana sobre as coisas importantes?
U.G.: Somente quando você se livra dos pares de opostos - certo/errado, bom/mau
- você não poderá mais errar. Até lá, porém, o problema persiste.
Pergunta: Atingir o final dos opostos tem implicações bastante assustadoras...
U.G.: É como tocar acidentalmente num fio elétrico desencapado. Você está
assustado demais para tocar ali pela sua volição. Mas se, de modo completamente
acidental, essa coisa toca você, queimando tudo...
Pergunta: Incluindo a busca de Deus e da liberdade?
U.G.:
Queima toda essa busca, essa ânsia. Tudo isso pára, não porque esteja
satisfeita. Essa fome não pode ser saciada, especialmente pela comida
tradicional que é oferecida. Com a queima de toda essa ânsia, cessa a
dualidade. Isso é tudo.
Pergunta: Há uma certa dificuldade em ouvir você...
U.G.: Você é incapaz de ouvir alguém, qualquer um. Você é o meio de minha
expressão. Eu respondo suas questões; não tenho nada de meu. O que é dito aqui
ocorre por sua causa, não por minha causa. O meio - você - está corrompido; ele
está interessado somente em manter sua própria continuidade. Assim, tudo o que
ocorre ali já está morto.
Pergunta: Você parece estar disposto a demolir tudo que outros instrutores
disseram...
U.G.: Meu interesse não é criticar o que outros disseram (o que seria muito
fácil), mas derrubar o que eu estou falando. Mais precisamente, estou tentando
parar o que você está fazendo do que estou dizendo. Eis porque minhas palestras
soam contraditórias a outros.
Sou forçado, pela natureza do seu ouvir, a sempre negar a primeira
declaração com outra declaração, de depois negar esta última com uma terceira,
e assim por diante.
Meu objetivo não é alguma confortável tese dialética, mas a negação todal de
tudo o que pode ser expresso. Qualquer tentativa de decifrar minhas declarações
não corresponde ao que eu disse.
Você pode sentir um frescor, uma qualidade viva do que está sendo dito aqui.
Isso é assim, mas não pode ser utilizado para nada. Não pode ser repetido. É
inútil. Tudo o que você pode fazer com isso é tentar organizá-lo: criar
organizações, abrir escolas, publicar livros sagrados, celebrar nascimentos,
santificar templos sagrados e o resto, destruindo assim qualquer vida que
pudesse haver ali. Nenhum indivíduo pode ser ajudado por essas coisas. Elas
podem apenas ajudar aqueles que vivem pela credulidade de outros.
They only help those who would live by the gullibility of others.
Pergunta: Como exatamente o sistema livrou-se da tradição, em seu caso?
U.G.:
Minha explicação é que houve uma explosão de energia, o que é totalmente
diferente da energia que surge a partir do pensamento. Todas as experiências
místicas e espirituais nascem do pensamento. São estados induzidos pelo
pensamento, nada mais. A energia que está queimando cada pensamento em seu
nascedouro tende a se acumular. Eventualmente terá que escapar. As limitações
físicas do corpo agem como obstáculos ao escape dessa energia única. Quando ela
escapa, vai para cima, não para baixo, e nunca retorna.
E quando essa energia - que é atômica - escapa, causa tremendas dores. Não é o
tipo de dor que você conhece. Não se pode fazer nada com ela. Se se tentasse, o
corpo seria despedaçado. Não é matéria convertendo-se em energia; ela é
atômica. O processo segue em frente, enquanto as dores vão e vêm. É como o
imenso alívio que você tem quando um dente é extraído (...) É esse o tipo de
alívio que surge; a tradução desse estado como bênção ou beatitude é muito
enganosa.
Através do pensamento qualquer um pode criar essas experiências; mas isso
não é realmente bênção. A coisa real não é algo que possa ser
experimentado. Tudo o que você pode experimentar é velho.
Isso significa que tudo o que você experimenta ou compreende é tradição. Em
outras palavras, estou tentando livrar você não do passado, do condicionamente,
mas, ao contrário, do que eu mesmo estou lhe dizendo.
Não estou sugerindo nenhum caminho porque não há caminho. Eu tropecei nisso e
livrei-me dos caminhos dos outros; não posso fazer os mesmos erros que eles
fizeram. Nunca irei sugerir que alguém me use como modelo ou siga meus passos.
Meu caminho nunca pode ser seu caminho. Se você tentar fazer isso, você será
apanhado numa rotina; não importa qual revolucionário ou fantástico, será ainda
uma rotina, uma cópia, uma coisa de segunda mão.
Eu mesmo não sei como tropecei nisso, como você pode esperar que eu o dê a
alguém? Minha missão, se houver alguma, deveria ser, daqui em diante,
desmascarar cada declaração que eu tenha feito. Se você levar a sério e tentar
aplicar o que eu disse, estará em perigo.
Pergunta: Grandes instrutores e videntes na tradição oriental ao menos tentaram
comunicar alguma idéia dos estados mais altos, enquanto você insiste que eles
são incomunicáveis. Por quê?
U.G.:
Você toma por garantido que eles são o que eles dizem eles são (you
take for granted that they are what they say they are) . Eu digo que Isso
não pode ser transmitido a outro porque não há nada para transmitir. Nem
há nada para renunciar. O que esses instrutores sugeriram que você renunciasse?
Mesmo as escrituras - o Kathopanishad - dizem que você deve renunciar à própria
procura. A renúncia da renúncia não acontece via prática, discussão, dinheiro
ou intelecto. Essas são as últimas das coisas.
Uma tradução aproximada do original sânscrito é: "a quem Aquilo escolhe, a ele
será revelado". Se for assim, onde estão as práticas, sadhanas e volições? Isso
vem aleatoriamente, não por que você o mereça.
Se você tiver essa sorte, você morrerá. É a continuidade do pensamento que
morre. O corpo não morre, ele muda. O fim do pensamento é o começo da morte
física. O que você experimenta é a natureza do vazio. Apenas quere ser
livrar-se do egoísmo é insuficiente; você deve passar por uma morte clínica
(you must go through a clinical death) para livrar-se do pensamento e do
egoísmo. O corpo ficará como um cadáver, os batimentos cardíacos diminuem.
Pergunta: A teoria da reencarnação também nega a morte, mas num sentido
diferente. Eles falam de um atman ou alma eterno que sobrevive à morte
física...
U.G.:
Quaisquer respostas que se dêem sobre a morte, você não está satisfeito com
elas, enentão você precisa inventar teorias sobre reencarnação. O quê é
isso que vai se reencarnar? Mesmo enquanto você está vivo, o que é isso? É algo
além da totalidade do conhecimento que há dentro de você? Assim, se em absoluto
há morte, e há, ela pode ser experimentada?
Pergunta: Você confirma a existência de um estado natural?
U.G.:
As idéias que você tem sobre esse estado natural são totalmente desvinculadas
do que ele realmente é. Você está tentando capturar e expressar o que você
espera que seja esse estado; isso é um exercício absurdo. Há apenas o movimento
de captura, nada mais. Todo o resto é especulação.
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